Podia sim ser um mundo perdido ou o paraíso lá em cima como todos os idosos diziam a Sophia quando visitava amigas de sua falecida mãe. Ela não tinha mais medo, não tinha o medo repentino de morrer. Tinha deixado a coisa mais preciosa de toda a sua vida junto com seu amor, se partisse o mais valioso estava seguro, e ela os sondaria a qualquer momento. Mesmo se tivesse no inferno pagando seus pecados por ser ruim na adolescência, ou mesmo se tivesse no céu encontrando sua essência, os que deram a ela uma vida.
Mas seu destino tinha confirmado que sua hora não era aquela, não mesmo. Tinha muito o que viver, ao lado do marido e ao lado da filha.
Seus olhos se abriram lentamente acostumando onde estava, piscou três vezes procurando alguém conhecido, sabia que estava em um quarto de hospital.
E queria saber de Micael.
- Eu não vou ir hoje, já disse - conhecia aquela voz.
Parecia bravo com alguma coisa, aquela hora do dia.
Viu a porta se abrir e seu semblante triste desaparecer, Micael quase voou pra cima de Sophia quando viu a mesma acordada.
- Oh, meu amor - deu um beijo demorado na esposa terminando com selinhos - você está bem? Está sentindo alguma coisa? Quer comer alguma coisa? Você quer água?
- Micael, calma - riu leve - eu estou bem, não muito mas estou.
- Por que não muito? - já tinha ficado preocupado novamente.
- Porque estou aqui, em cima dessa cama com trocentos pontos na minha barriga.
- Não seja dramática, foram apenas dez centímetros de corte.
- Tudo isso? - se chocou.
- Por um lado estou triste e por outro lado estou feliz - deu aquele sorriso que Sophia conhecia muito bem.
- Pode me dizer por quê?
- Temos quarenta dias de resguarda - chegou mais perto - vamos ficar esse tempo sem sexo.
- Tudo isso? - ficou triste - foi uma péssima ideia eu ter engravidado.
Micael riu.
- Nem a cabecinha? - fez uma careta cômica, Micael riu novamente.
- Nem a cabecinha, nada, totalmente radicalizado.
- Que horror - encarou os dedos triste.
- Agora tem a parte boa - sorriu.
- Depende.
- Tem alguém que quer te conhecer - os dois sorriram - eu já volto.
O moreno saiu deixando Sophia sozinha novamente, demorou alguns minutos voltando em passos lentos e cuidadosos, tinha um brotinho pequenino nas mãos vestida em um macacão rosa e branco, remexia as mãozinhas impaciente com o mundo.
Assim como a mãe.
- Olha só quem está aqui, é a mamãe - disse baixinho indo até Sophia que estava surpresa.
- Meu Deus - disse baixo vendo a filha pequenininha nos braços de Micael, ele tinha tanta firmeza e parecia estar craque nisso - isso nasceu de mim?
- Nasceu, acredite. Ela é linda, não é?
Não podiam dizer ao contrário, Sophia tinha dado à luz a uma princesa. Ela era encantadora, quando crescesse daria trabalho, muito trabalho.
Era nítido que Sophia estava com medo quando tocou com a ponta dos dedos os cabelos da filha, lisinhos e castanho escuro. O moreno incentivou pra que ela segurasse ajeitando Sophia na cama, ela arrumou os braços pegando a neném pela primeira vez no colo.
O mar de rosas tinha acabado quando escutou o choro fino, Sophia se desesperou.
- Micael, toma!
- Como assim, toma?
- Ela está chorando, está me irritando.
- Sophia, bebês choram e isso é muito normal.
- Não pra mim - fechou os olhos esperando que a bebê parasse - Jesus, pare com isso. Tire ela de perto de mim, eu não aguento mais.
Micael pegou a filha novamente no colo que chorava um pouco irritada, seu olhar decretou em Sophia que não estava feliz com a presença da menina, não mesmo. Tinha entrado em transe encarando o pé da cama esperando que o marido a tirasse dali, seu choro doía os ouvidos.
Ele teve raiva, medo, tristeza, todas essas mudanças misturadas em uma só quando saiu do quarto.
- Ei, ei. Vai ficar tudo bem - balançou a filha esperando que ela acalmasse - papai está aqui, com você. O papai está aqui - sorriu caminhando pelo corredor.
Pelos seus estudos repentinos na madrugada e por suas conversas estranhas com Sophia já sabia que o pior teria que vir. E ele havia chegado.
A terrível: depressão pós parto.
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