- Você quer uma ajuda, cara? - Ethan apareceu na antiga sala de Micael, que agora recolhia suas coisas colocando todas em enormes caixas.
- Eu quero que você suma do meu caminho!
- Calma, não fui eu que te despedi. Ok?
- Ok? Ok? - o imitou - você nunca faz nada Ethan, sempre está aqui nas horas erradas.
- Horas erradas? Eu estou tentando te ajudar. Buceta!
- Foda-se, eu não preciso da porra da sua ajuda - jogou o quadro que tinha com Sophia dentro da caixa, fez um estrondo quebrante - merda.
- O que houve?
- O quadro - o pegou de novo - consegui quebrar, que ótimo.
- É só trocar a moldura - Ethan respirou fundo - deixe eu te ajudar, você é um cabeça dura.
- Me ajude dando um conselho a mim mesmo, eu fui despedido por horas faltadas, mas que merda - grunhiu morrendo de raiva, a ficha ainda não havia caído.
- Pense pelo lado bom - mexeu os lábios - ele está na enfermaria colocando curativos na testa, seus socos valeram a pena.
Sim, Micael tinha dado socos em seu chefe antes de se despedir em sua sala.
- Não tem nada bom nisso.
- Vamos - Ethan se mexeu colocando o resto das coisas - eu te levo até em casa, não vai conseguir levar cinco caixas sozinho. Está pesado demais.
No final, Micael tinha aceitado a ajuda de Ethan, estava bravo pelo amigo não poder o acobertar, mas o mesmo disse que não poderia fazer isso o tempo todo, iriam descobrir, e esse dia chegou.
Desceram pelo elevador com as cinco caixas, Micael estava deprimido e triste por não estar mais naquele local, tinha feito amigos, inimigos, pessoas com quem achava o máximo dividir suas coisas, não queria tecnicamente sair dali.
Mas foi despedido, por coisa inútil. Foi avisado mas não prestou atenção.
- Bom, acho que coube tudo - Micael fechou o porta malas, Ethan sorriu meio falso - você quer mais alguma ajuda?
- Eu quero ficar sozinho.
- Tudo bem, esse é o seu momento - abraçou o amigo - se quiser algum apoio.
- Obrigado, Ethan - encarou o chão apertando o alarme do carro, não queria olhar para o amigo que voltaria ao aquecedor do imenso e luxuoso hospital.
Que cagada, Micael!
- Eu sou um fodido - colocou a chave no contato ligando o veículo - perdi meu emprego, minha mulher está internada bem longe da cidade, minha filha dormindo com uma babá - abriu o porta luvas pegando seu maço de cigarro - puta merda, eu só nasci pra ter um pau e fazer mais cagada - ascendeu rápido tendo as mãos no volante. Precisava se aliviar, e isso seria com seu cigarro.
Imagine quando Sophia souber. Ia ser o fim.
Micael dirigiu mais alguns minutos e se aliviou mais quando viu o seu condomínio de longe, estacionou o carro na garagem e desceu. Pediu ajuda ao um dos seguranças que levou as caixas consigo até seu andar, revirava os olhos mentalmente vendo de relance suas coisas ali.
- Obrigado, cara - agradeceu, abriu a porta vendo a babá na sala com Analee nos braços.
Estava quietinha, o som da televisão em algum desenho tinha a despertado, era muito novinha pra prestar a atenção mas já observava as pessoas com quem ficava, seus olhos estavam aprendendo a conhecer as coisas.
Micael arrastou as caixas ao lado da porta, fechou em seguida e andou até as duas, fez menção de pegar a filha no colo.
- Ela está indo bem, é uma belezinha de menina - a babá sorriu.
- Ela é bem quietinha mesmo - observou a filha.
- Aconteceu algo? - encarou as caixas.
- Não aconteceu nada - aconteceu sim!
- Ok, então... - pegou sua bolsa - eu posso ir?
- Ah claro, pode sim - tateou o bolso pegando alguns dólares - está certo, sim?
- Certinho. Obrigada senhor Borges.
- Até mais - viu a babá passar pela porta.
Analee observava o pai curiosamente, remexeu as mãozinhas mas não fez nenhum barulho engraçado do mundo dos bebês. Micael deu um cheiro na filha, adorava dar os mimos.
- Hoje o papai teve o dia muito ruim, péssimo - sentou-se no sofá - eu perdi o meu emprego e a sua mãe vai me matar.
Analee emitiu um som.
- Também acho, filha - deu beijinhos no pescoço da mesma que fez mais barulhos - tudo bem, tudo bem. O papai vai parar de te amassar, você precisa de um bom soninho - levantou-se de novo com a pequena nos braços, desligou a TV e foi até o quarto da mesma, colocou a no berço e ligou o tocador musical.
Analee já estava com sono, só precisava que fosse alongado e adiantado por alguma coisa.
Viu a menina pegar no sono gostoso, saiu do quarto andando em passos leves, foi a cozinha mas no caminho avistou as caixas, não queria tirar as coisas dali, não queria tocar na ferida que foi ser mandado embora, era seu trabalho dos sonhos e ele conseguiu destruir.
Mais uma vez.
- Que merda - grunhiu abrindo a geladeira, pegou a jarra d'água despejando um pouco em seu copo.
Enquanto bebia encarou a foto dele e de Sophia pendurada na geladeira, a foto que tiraram no Cristo Redentor, ela estava tão feliz, tão radiante, assim como ele. Micael queria ter essa disposição novamente, bufou e se entristeceu.
Não aguentava mais ficar sem ela, parecia melhor quando tinha visto, tinha que ter o total apoio dela naquele momento, estava morto de saudade, afinal era a sua mulher, a sua vida que estava longe de si.
Micael pensou rápido andando até o telefone, discou alguns números e esperou enquanto se sentava na mesa.
- Olá, boa tarde! Meu nome é Micael Borges e eu gostaria de tirar uma paciente dai - encarou o copo com água - o nome dela é Sophia Borges, tinha duração de quarto anos internada mas não será possível, não agora - respirou fundo - retirem o nome dela da lista, estou indo buscá-la.
Estava indo, como sempre quis.
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