Dia 03/04/2025 voltei aqui para editar todo o livro. Quem já leu essa história, certamente não sabe que agora tem capítulos acrescentados, que antes, só existiam no meu original. Muitos detalhes foram mudados, pois na época, eu ia pensando e escrevendo aqui, mas no original, eu sempre achava que faltava algo mais. Chegou a hora de compartilhar com vocês, os detalhes completos.
Prólogo
Meu pai sempre me culpou. Minha mãe dizia que ele me amava e mesmo assim, ele não fazia nada que não fosse me culpar.
Ele furou minha bola dizendo que eu estava fazendo muito barulho. Não foi ele quem me deu e sim, o senhor Mitchell e meu pai o odiava.
Eu não tinha amigos na escola porque eu não gostava de falar muito. O que adiantava fazer amigos? Ninguém podia vir a nossa casa. Minha mãe dizia que era melhor assim, porque não tínhamos o que oferecer para as visitas. Eu não me importava.
Havia dias em que a senhorita da escola me dava um saco de pães para levar para casa. Isso aliviava a fome.
Ninguém da escola sabia o que acontecia por lá. Os vizinhos sabiam, mas minha mãe dizia que era melhor que eles não soubessem por nós.
Eu ouvia minha mãe gritando à noite. Às vezes, ela chorava baixinho e no outro dia, ela tinha manchas no rosto.
Em um desses dias, ela estava andando estranha e quando a abracei, ela gemeu e chorou. Eu comecei a fazer carinho nas suas costas e ela gemeu mais ainda. Eu me soltei do seu abraço e fui ver suas costas. Quando coloquei a mão em sua blusa e a levantei, ela me parou e ficou me olhando com os olhos mais tristes que já vi.
— Eu sempre vejo, mamãe!
Eu continuei. Levantei um pouco sua blusa e vi manchas roxas e verdes em suas costas. Eu abaixei rapidamente sua blusa e lhe dei um abraço, mas dessa vez, sem machucá-la.
— Não foi nada, Davies.
— Eu o odeio, mamãe! Eu odeio esse homem! — eu limpei as lágrimas em sua blusa.
— Não o odeie, ele é seu pai. Meninos bons não sentem ódio. Meninos bons, perdoam.
— Então eu não sou um menino bom, mamãe. Eu nunca serei, porque eu nunca vou perdoá-lo.
— Não diga isso, Davies. Você é bom sim e você é lindo por fora e por dentro. Não seja como ele e pare de falar como uma pessoa acima da sua idade. Você é apenas uma criança.
Eu vi de novo minha mãe chorando. Isso doeu tanto em mim. Eu a amava e ela era tão bonita, mesmo quando sua pele tinha manchas roxas. Ela tinha longos cabelos da cor dos meus. Seus olhos eram verdes e tão transparentes, que eu via a alma dela. Ela me dizia que a gente vê a alma de alguém pelos olhos. Também dizia que eu iria ser alto como meu pai e que eu tinha a aparência dos dois. Mas eu queria me parecer apenas com ela e não com ele.
— Vá para a escola, querido. Seu pai arrumou um emprego e agora as coisas vão melhorar. Você não dormirá mais de barriga vazia.
Um dia antes, a fome tinha doído tanto quanto um tapa que vinha do meu pai. A dor não era tão assustadora como a que eu estava sentindo neste momento. E ela não estava na minha barriga, estava bem aqui, no meu peito.
Depois da escola, o senhor Mitchell pagou um sorvete para mim. Tudo o que eu queria que ele fosse meu pai. Às vezes, ele ia me buscar na escola. Ele morava do lado da minha casa e a esposa dele quando podia, mandava pedaços de bolo. Eram deliciosos.
Durante todo esse tempo que eu o conhecia, eu nunca pude ir a sua casa porque meu pai não deixava.
Um dia, ele trouxe um caminhãozinho de madeira para mim e algumas sacolas com roupas que ele comprou em um brechó. Ele não tinha filhos.
Eu o agradeci e ele me deu um abraço.
Lembro nitidamente que pai não me abraçava. Ele costumava a me abraçar, mas esse gesto ficou no passado, antes de começarem as surras.
Minha mãe dizia que ele ficou assim depois que caiu do telhado e ficou com um problema na perna. Depois disso, ninguém queria dar emprego a ele e então, começou a beber.
Eu não tinha culpa, ainda assim, ele sempre dizia que a culpa era minha. Falava que se eu não tivesse subido até lá para encher seu saco, ele não tinha se distraído e caído do telhado.
Minha mãe me consolava dizendo que acidentes, aconteciam. Ela poderia estar certa, mas eu não acreditava muito.
Às vezes, no meu quarto, eu brincava com meu caminhãozinho. Eu não tinha muitos brinquedos. Meu pai sempre os quebrava e jogava fora. Então, eu guardava tudo debaixo da minha cama. Lá era meu esconderijo. Quando ele chegava bêbado, eu me escondia e dormia lá embaixo mesmo.
— Davies! Davies! Desce logo aqui, seu danado!
Eu não gostava quando ele me chamava assim. Uma vez, minha mãe reclamou por ele me chamar de imprestável e levou um empurrão por isso. Quando ele me ofendia, eu orava para Deus não deixar minha mãe falar. Eu não queria que ela fosse agredida.
Eu guardei meu brinquedo e desci para a cozinha. Minha mãe estava de costas preparando o jantar e ele estava sentado à mesa, bebendo cerveja.
— Sente-se aí, garoto. Eu quero falar com você.
Eu me sentei. Mas eu não conseguia olhar o rosto dele. Eu ouvia as mulheres da escola dizendo que eu era lindo como o meu pai. Eu achava que ele não tinha nada de bonito. Ele era um monstro. Dizem que satanás era o anjo da luz. Meu pai certamente poderia competir com tal titulo.
Antes do vício, ele era diferente. Me dava moedas para comprar balas, beijava minha mãe e eu ficava feliz. Infelizmente, não era mais assim e eu era triste.
Ele estava o tempo todo bêbado e vivia dando surras na minha mãe. Também me batia, mas não demorava tanto, porque minha mãe me defendia e automaticamente, se tornava o alvo dele.
Eu queria protegê-la, mas eu tinha medo. Eu não conseguia. Desesperadamente, eu fechava os olhos e bloqueava o som em meus ouvidos com as mãos e com toda a minha força, eu os apertava. Apertava e apertava. Com força! “Vamos, Davies, aperta mais”, eu pensava
Eu tinha tanto medo.
— Papai arrumou um emprego. Próximo mês, levarei você e sua mãe para comprar roupas. Vou levá-los para jantar em um restaurante.
Eu não respondi. Não queria nada dele.
— Não vai falar nada? Você está feliz pelo seu pai?
— Sim, senhor!
— Ótimo! Agora, traz outra cerveja.
Eu levei outra para ele e depois fui assistir TV. Eu não sabia como olhar direito as horas, mas sabia que já havia passado muito tempo e meu pai já estava bêbado. Ele já estava com os olhos vermelhos e o cheiro dele era horrível. Deus, eu podia sentir o cheiro em minha memória.
Eu continuava sentado à frente da televisão, assistindo alguma coisa sem interesse. Por muitas vezes, foi desse jeito. Eu fingia assistir porque na verdade, eu ficava prestando atenção nos dois, lá na cozinha. Eu sabia o que ele ia fazer. Ele sempre fazia.
Ah, ele fez! Fez de novo e de novo e...
Eu fechei os olhos e deixei minhas lágrimas caírem. Apertei os ouvidos, ainda assim, eu sempre ouvia.
Os vizinhos tentavam ajudar e minha mãe nunca ia embora, então começaram a não ajudar mais.
Eu sentia tanto ódio. Então fui ver.
Ele batia na minha mãe com a fivela do cinto. Ela estava no cantinho da cozinha, as pernas dobradas e as mãos cobrindo o rosto. Ele dizia coisas feias pra ela. E mesmo naquela idade, eu sabia que era feio porque minha mãe nunca me deixou dizer aquelas palavras. Eu olhei novamente para minha mãe e ela estava fraca. O corpo dela estava totalmente mole no chão.
Eu pulei nele. Bati em sua cabeça com todas as minhas forças e tenho certeza que não doeu porque eu era muito magro.
— Seu pedaço de merda, o que pensa que está fazendo?
Ele me jogou no chão e me bateu. Bateu muito… Não, eu não chorei!
Minha mãe tentou se levantar e não conseguiu. Ela estava fraca porque apanhava quase todos os dias. A única coisa que ela conseguia dizer, era: “pelo amor de Deus, Wilson, você vai matá-lo”.
Mas ele não parou.
Minhas costelas doíam.
Meu maxilar doía.
Meu estômago doía.
Meu coração... Esse era o que mais doía.
O nosso vizinho, o senhor Mitchell, quebrou a porta e entrou. Ele tirou meu pai da cozinha e bateu no rosto dele, como um homem determinado a matar um rato. Depois, eu vi meu pai correndo para fora e vi a esposa do senhor Mitchell tentando levantar minha mãe. Então, o senhor Mitchell me pegou no colo e não vi mais nada. Eu só a vi a escuridão.***
— O que foi? — perguntou o senhor Mitchell, me observando tomar café.
— O quê?
— Perguntei o que está acontecendo.
— Nada! Eu só estava pensando.
— Espero que não sejam aqueles pensamentos.
— Não tem um dia que eu não me lembre.
— Você não pode ficar se lamentando pelo que aconteceu para o resto da sua vida. Acabou faz tempo Você está vivo! É um sobrevivente — ele bateu em meu ombro e se levantou. — E eu, estou aqui por você.
"Não acabou", eu pensei. Isso nunca acaba, está sempre vivo na minha cabeça.
Eu dei mais um gole no meu café e fiquei observando o rosto dele. A velhice era tão notável. O rosto tranquilo e a pele enrugada mostravam que o tempo não havia parado. Mas ele continuava com o mesmo olhar do homem que conheci na minha infância.
Então ele se foi, sem dizer mais nada e seguiu para sua casa. Agora, eu estava sozinho no silêncio da minha grande casa vazia. Um casa grande e tão pequena perto do meu vazio existencial.
"Se você visse mãe... Esta casa é tão linda. A senhora iria adorar. Eu te daria uma vida de rainha. E, se a senhora estivesse aqui, eu lhe mostraria aqueles olhos castanhos. Aqueles olhos que não me deixam dormir.”
Quer apoiar esta autora? ✨
Se você está gostando da história e deseja contribuir de alguma forma, qualquer valor será imensamente apreciado! Sua ajuda me permite continuar escrevendo e trazendo mais histórias para vocês.
Chave Pix: 19 994092089
Nome: J. R. S.Mas se não puder contribuir financeiramente, não tem problema! Compartilhar a história, recomendar para amigos ou deixar um comentário já me ajuda muito. Obrigada por fazer parte dessa jornada!

VOCÊ ESTÁ LENDO
UM PONTO DE PARTIDA
RomanceTragédia e perda deixaram Heloyse à deriva, presa em um vazio onde a dor é sua única companhia. Em busca de um escape, ela se lança ao desconhecido-não para se encontrar, mas para esquecer, nem que seja por um instante. Sua jornada a leva a terras v...