Davies
O assistente social arrumou os óculos que desciam por seu nariz. Virou mais algumas páginas, atentamente.
Perto dele, estava a psicóloga que me dava assistência desde os meus oito anos. E em todos os anos em que eu estive no mesmo ambiente que ela, nunca abri minha boca para responder suas perguntas. Eu não gostava de pessoas que se metiam em meus negócios.
Durante seis anos, ninguém quis me adotar, por isso, graças ao prefeito, eu permanecia na casa dos Mitchell. Eu pensei que isso jamais aconteceria, mas, eu estava ali, diante do homem que iria me adotar.
Eu estava sentado, sentindo minhas mãos ficarem molhadas. Eu não confiava em mais ninguém, a não ser, os Mitchell.
- Meu nome é Wallace. É um prazer conhecê-lo - ele estendeu a mão.
Eu abaixei o olhar para a sua mão, porém, eu não a toquei. Ele trouxe sua mão de volta para o seu lado e sentou a minha frente.
- Sei que você deve estar com medo. Prometo que não vou fazer nenhum mal a você. Acredite em mim.
Eu permaneci calado.
Passei minhas mãos no meu jeans, enxugando o meu suor e olhei para a Eva. Os olhos dela estavam marejados e a cabeça apoiada no ombro do Calvin. Ela olhou para mim e deu um fraco sorriso. Eu só aceitei estar ali de boa vontade, se eles estivessem comigo.
A conversa acontecia ao meu redor e eu não conseguia focar em algo do que diziam. Eu só queria sair dali e tomar um pouco de ar. Senti um leve tremor nas mãos, como nas vezes em que eu ficava com muito medo do desgraçado do Wilson.
Depois que terminaram, nos deixaram a sós na sala e eu observei atentamente o momento em que o senhor levantou.
Ele era negro, alto e usava um paletó preto. O chapéu que tinha em sua cabeça quando chegou, estava pousado na cadeira. Os cabelos eram bem curtos e brancos.
Ele caminhou devagar, com as mãos para trás e se aproximou da janela. Deixou uma das mãos no mesmo lugar e com a outra, puxou um pouco a cortina e olhou para o lado de fora.
- Você gosta de cavalos? - perguntou, ainda mantendo os olhos em algum lugar lá fora.
Não respondi.
- Eu tenho muitos cavalos e bois - ele me olhou. - Já ouviu falar na fazenda O'Connor? É uma das mais antigas e é a maior que existe. Tem até animais silvestres. Agora, você é um dos homens mais ricos do Texas. Bem mais do que rico.
- Não estou interessado no seu dinheiro - eu falei por fim.
- Eu não disse que estava. Mas, querendo ou não, você é. E quando eu morrer, será tudo seu - ele sorriu. - Mesmo que nunca fale comigo, que nunca me veja como alguém para você, ainda assim, será tudo seu, William. E como não quer aceitar a minha aproximação, quero que aceite pelo menos o conforto que posso te dar - eu desviei meu olhar e passei novamente as mãos no meu jeans. - Irei te ensinar tudo o que precisa saber sobre uma fazenda. Você terá aulas em casa e estou pronto para fazer qualquer coisa que me pedir.
- Qualquer coisa?
- Sim.
- Quero Calvin e Eva, comigo.
- Eles irão, não tenha dúvida. Sei que são importantes para você.
Ele olhou para o gesto que eu fazia com as mãos e depois, sentou-se perto.
- Eu também perdi pessoas importantes. Todos os que eram importantes. Hoje, eu sou um homem sozinho e há momentos em que a solidão não é algo que se queira para a vida toda. Existem pessoas que acham que a solidão é algo bom e mal sabem que é uma falsa liberdade. De qualquer maneira, todos têm seus negócios, suas dores. Por isso, sei como se sente.
Ele estendeu a mão, como fez ao entrar por aquela porta e hesitei, mas dessa vez, eu retribui o gesto.
Depois de alguns segundos calados, eu olhei para ele e respirei fundo.
- Não posso chama-lo de... Eu não gosto da palavra "pai"... Sinto muito!
- Não se preocupe com isso. No entanto, eu seria um ótimo avô. Eu já fui pai e não nunca tive netos. Se quiser sê-lo, eu não irei me opor - ele deu um sorriso. - Então, como quer que eu o chame? William ou Davies?
Eu respirei fundo.
- Will. Pode me chamar de Will e nunca de Davies.
- Ok! Agora vá para casa, Will. Semana que vem, você terá uma nova vida.
Eu balancei a minha cabeça, um pouco descrente.
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UM PONTO DE PARTIDA
RomansApós a morte de sua família, Heloyse se apegou a quem esteve do seu lado durante este momento difícil. De repente, encontrou-se abandonada, sem um rumo ou uma motivação para seguir em frente. Até que em um determinado momento da sua vida, resolve sa...