Capítulo Seis - Uma tempestade dentro de mim

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Heloyse


Mais um mês se foi.

Eu acordava sempre depois do almoço. Me distraía com filmes, musicas... À noite, sempre sentava no fundo da casa, em minha cadeira de balanço. Cobria minhas pernas com uma manta e saboreava meu café. Tudo tão solitário. Tudo tão distante de mim.

Tinha vezes que havia lágrimas, outras, apenas frustração. Eu fui entendo que o amor nada mais era como várias doses de bebida. A gente ia se embriagando com o prazer que ele nos dava. No outro dia, tudo se resumia em dor de cabeça.

As noites tornaram-se demasiadamente longas e os dias, intermináveis. E como eram dolorosas as lembranças que eu tinha dele. O som da sua risada ecoava na minha cabeça, junto com a lembrança nítida do seu toque. Tudo isso atormentavam minhas noites. Eu tinha medo de estar amando-o mais do que antes.

Precisava sair dali. Precisava me afastar de tudo que me fazia lembrar dele. Tudo me fazia querer estar com ele. Eu definitivamente estava em pedaços.

O natal chegou e eu nem saí de casa. Me recusei a aceitar a visita de Ashley e alguns amigos. Não houve árvores, enfeites e nem presentes. Não houve companhias calorosas e nem vozes. Só o silêncio da minha casa e a tristeza que me acolhia de forma dura e fria.

E então, se passaram cinco meses desde que ele me deixou. Malditos meses! Malditas horas!

Às vezes, eu me distraía olhando a chuva lá fora.

Interessante essa coisa da chuva. O azul se torna cinza e as nuvens pesam. E você corre para não se molhar. Às vezes, você até se protege, mas, em outras, se molhar é inevitável. Então, os primeiros pingos são os piores. Até nos acostumarmos com a temperatura, temos a impressão que cada gota que cai no nosso corpo, nos faz sentir dor. E com o tempo, depois de um bom tempo debaixo da chuva, vamos nos acostumando e já não lamentamos mais, porque o jeito é seguir em frente nessa chuva até achar um abrigo.

A vida é desse jeito. Quando você acha que está em seu melhor momento, quando você acha que sua zona de conforto está boa do jeito que é, a decepção chega, como nuvens carregadas, nublando o dia. Ela é tão fria quanto a chuva. E você corre desses momentos chuvosos. Ao longo da vida, até tentou se proteger ou achou que estava protegido. Como eu disse, às vezes, se molhar é inevitável. E os primeiros dias, meses ou até anos, são os piores. Até você abaixar a cabeça e se conformar com o que aconteceu, é doloroso. Mas com tempo, depois de um bom tempo, passando por este tempo tempestuoso, você vai se acostumando, porque o jeito é seguir em frente e parar de se lamentar. Uma hora ou outra, você vai encontrar seu abrigo...

Eu estou passando por esses dias tempestuosos. Os primeiros dias, meses, já se passaram e tudo ainda é doloroso. Ainda não achei meu abrigo para me proteger dessa chuva. E eu estou constantemente dentro de uma tempestade.

04h55 AM.

Quando ele estava comigo, eu dormia bem.

Sentei à beira da cama. O corpo dolorido devido a essa maratona de dormir tarde, acordar tarde e permanecer deitada no sofá. Isso estava acabando comigo.

Me apoiei na janela do meu quarto. Não havia uma alma viva lá fora. Alguns minutos depois, desci as escadas e fui à cozinha tomar um copo d'água. Nossas fotos ainda estavam na porta da geladeira. Eu ainda não tinha tido coragem de tira-las, como Margot sugeriu.

Como eu conseguiria tira-las dali, sem nem tira-lo do meu coração, eu conseguia? Como dizer "eu te amei", se eu ainda o amava? Como dizer "te esqueci", se minha mente se recusava?

Eu calcei meus chinelos, coloquei meu casaco com touca por cima da camisola, peguei um molho de chaves da minha gaveta e saí de casa.

O frio tomou conta da madrugada junto com o leve chuvisco que caía. Era um frio tenebroso, onde cada lufada de ar se parecia com navalhas cortando minha pele.

Eu sei que era absurdo o que eu estava fazendo, mas, minha mente não me obedecia.

Eu parei em frente à casa dele, do outro lado da rua, atrás de um carro velho estacionado. Meu coração se aqueceu só por estar ali. Era a casa da pessoa que tinha meu coração em suas mãos. Fiquei ali, observando não sei por quanto tempo. Eu achava que estando ali, eu estava perto dele. Eu poderia senti-lo.

Será que até a coincidência brincava com meu coração?

A janela do seu quarto abriu e eu o vi. Meu coração ficou acelerado e por um instante, pensei que eu teria um ataque.

Por que será que ele não estava dormindo? Ele sempre foi do tipo que dormia bem.

Eu me agachei atrás do carro e dei um jeito de continuar observando-o. Michael se debruçou no batente da janela e por duas vezes, eu o vi passar a mão no queixo. Ele sempre fazia isso quando estava nervoso ou preocupado com algo. Permaneceu lá por alguns minutos, de cabeça baixa.

Em algum lugar, um gato miou, chamando a atenção dele. Ele olhou em direção ao fim da rua e depois, direcionou o olhar para o carro estacionado, onde eu me escondia.

Ficou olhando na direção em que eu estava por um tempo. Eu pude sentir a rapidez do meu coração descompassado.

Ele não estava me vendo. Não era possível. Mas de certa forma, eu achei que ele ainda se sentia puxado a mim. Eu queria que ele ainda sentisse algo. Queria acreditar nisso.

Depois de alguns minutos, Alice apareceu atrás dele, o abraçando. Ele a olhou e depois, voltou o olhar para onde eu estava. Para o carro. Depois de alguns segundos, Michael fechou a janela e o vazio retornou brutalmente para dentro de mim.

Voltei para casa, entrei em meu quarto e esperei. Esperei e esperei, até que eu desapareci em algum lugar.

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