Capítulo Três - Pedaços

3.6K 275 18
                                    

Heloyse

— Alô!
— Oi, Lisy!
— Oi!
— Você já melhorou? Sei lá... Já faz tanto tempo que você se trancou aí. Acho que está na hora de você sair um pouco.
— Para quê? Isso não mudaria minha situação — respirei fundo e esperei que ela continuasse.
— Olha só, você não pode viver de passado. O Michael é seu passado agora. Você é nova, precisa curtir a vida.
— Vinte e seis anos não é ser nova. É caminhar para a terceira idade. Quem vai querer uma idosa como eu?
— Se ter vinte e seis anos é ser idosa, eu sou pré-histórica, já estou com trinta e três e ainda sou uma encalhada. Até os mais velhos podem curtir  a vida. Vamos viver aventuras. Acho melhor olhar para trás e nos lembrarmos dos erros que cometemos, do que nos lamentarmos pelo o que não fizemos. Pensa bem! Está na hora de cometer outros erros. Arriscar, tentar a sorte... Ser feliz...
— Ok... Você sabe que é um péssimo conselho, não é? Coisa de adolescente que foge de casa.
— Não senhora. É um ótimo conselho. Eu sou boa nisso. Quem você acha que aconselha meus sobrinhos?
— Não ouso dizer — eu sorri.
— E então, vamos? Por favor!
— Está bem — eu disse com desgosto na voz. — Passa aqui às sete e meia, ok?
— Estarei aí, gata!
Ashley era linda, por dentro e por fora. Tinha a pele escura como um chocolate, daqueles que tem a cor e a textura tão perfeita, que não ficam muito tempo na vitrine, de tão apetitosos que são. Resumindo; ela era atraente. Magra, alta, de olhos escuros, lábios cheios, cabelos curtos e cacheados. Chamava a atenção por onde passava.
Eu, ao contrário, era morena, um e sessenta de altura, cabelos escuros, olhos castanhos e não tão magra como Ashley. Não me achava horrorosa, claro, eu só não tinha algo de especial na minha aparência.
Ashley era diferente. Além de iluminar o local com sua beleza, sempre me fazia rir e sempre me convencia a fazer o que eu não queria. Isso tinha acabado de acontecer.
Mesmo sem ânimo, resolvi me vestir. Eu tinha olheiras e uma aparência horrível. Lábios ressecados, cabelos desgrenhados...
Tomei um banho bem demorado, porque no banho eu me pegava tendo tantas lembranças, que me perdia no tempo. Acho que minha vida se resumia em estacionar em algum canto e ficar lembrando os nossos momentos.
Desde a última vez que o vi, não tenho aberto a cafeteria que ficava na parte debaixo da minha casa. E a outra, eu vendi.
A casa estava um lixo.
A senhora que sempre vinha fazer faxina, eu dispensei. Não queria ninguém perto de mim. Agora, pensando bem...
Ainda enrolada com a toalha, liguei para Margot e pedi para que ela viesse no dia seguinte "dar uma geral" na casa. Depois, fui escolher uma roupa. Coloquei um jeans escuro que parecia ter aumentado de tamanho. Ou fui eu que emagreci muito? Coloquei um moletom preto, um tênis que parecia cinza de tão velho que estava e o cabelo, prendi em um rabo de cavalo, como sempre. Estava tão apertado que parecia que algum cachorro havia lambido a minha testa e depois, os cabelos. Passei um lápis de olho e pronto! Dava para o gasto.
Ashley havia chegado por volta das sete e meia.
— Meu Deus! Quem é você e cadê a minha amiga? Você a comeu?
— Sem graça! Sempre gostei de jeans e tênis.
— Tudo bem, só que você colocava uns saltos, às vezes. Às vezes, umas calças novas... Outras vezes, uns tênis novos... Não essa porcaria que você está usando. Sem contar, esse moletom. Sério, parece que você o roubou de um defunto.
— Eu nem queria sair — eu disse, esfregando meus olhos — Fiz o que pude. Se estiver com vergonha eu entendo.
— Não, Lisy! Não quis dizer isso, minha amiga. Vem cá e me dá um abraço. Me perdoa?
— Não precisa pedir perdão. Sou eu e esse humor horrível.
— Vai dar tudo certo. Você vai ver!
— Eu sei. Obrigada!
Eu era péssima em mentir.

***

Fomos a um bar.
O Little Dawson era um bar balada bem movimentado às sextas-feiras. Tinha esse nome porque Dawson, o dono, não chegava a um metro e cinquenta e cinco de altura. Lá, as pessoas se reuniam com seus amigos e se "entupiam" de tequila.
Eu só queria correr dali. As pessoas que conhecíamos me olhavam e cochichavam. Era irritante. Queria apenas que fingissem que eu não estava ali. Eu só queria encher meu copo.
Um grupo de colegas do meu antigo trabalho se reuniu conosco. Outros, eram conhecidos de Michael.
O bar estava cheio e era impressionante como a vida deles seguiam tranquilamente, enquanto a minha, havia parado em algum ponto. Eu olhava aquelas pessoas e quando elas me olhavam, eu sorria e acenava com a cabeça. Era meu jeito de dizer "dane-se, eu estou bem". Mas, eu era um vaso totalmente quebrado e ninguém imaginava quantos cacos eu tinha que juntar, em quantos pedaços me dividi.
Cada gole que eu dava, a tequila descia rasgando pela minha garganta. E nem mesmo o teor do álcool me levava pra outro lugar. Minha mente só fixava nele.
Ashley dançava com um dos caras que dividiam nossa mesa. E um a um foi dançar, enquanto eu permanecia perdida nos meus pensamentos.
Eu tinha perdido a conta de quantas doses eu havia tomado.
— Mais um copo...  Outro copo... Só mais um... Unzinho... Ouutro...  Esse é o último... Dane-se Ashley, já sou grrrande...
E a tequila era minha amiga naquela noite.
— Você quer dançar? — perguntou um rapaz ao se aproximar.
— Não seii dançarr... — eu disse com a voz arrastada.
— Vamos! Eu te ensino.
Tomei em um só gole o que estava dentro do meu copo e fui com ele.
— Prazer! Meu nome é Jered! E o seu?
— Helo... Lisy!
Ele riu e começamos a dançar.
Às vezes, eu me desequilibrava e ria com a situação. Eu estava visivelmente bêbada, visivelmente ridícula.
Eu alternava entre o bar, a bebida e a dança.
— Lisy, você está bem? — perguntou o rapaz, quando parei de dançar.
— Estou! Eu só... Eu...
Meu ar estava sumindo e eu estava caindo. Maldito poço de paredes revestidas de ressentimentos. Era uma lenta e dolorosa queda que não tinha fim.

UM PONTO DE PARTIDAOnde histórias criam vida. Descubra agora