Capítulo Quarenta e Dois - Inflamáveis

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Heloyse



- A atitude do seu avô... Do Wallace, foi linda.

- No começo foi tudo tão difícil. Me relacionar e tudo mais.

Will soltou minha mão e seguiu para a cozinha. Ele retornou com duas taças e uma garrafa de vinho. Depois que cada um estava com uma taça na mão, ficamos em silêncio por um tempo.

Eu estava processando cada palavra que ele disse. Doía-me saber que crianças naquele exato momento, estavam passando pela mesma situação que Will passou na infância. Tantos adultos que, como ele, cresceram traumatizados.

Meu Deus, como eu pude reclamar tanto da minha vida? Eu tive uma infância feliz. E sei que meus pais e Marcus morreram me amando. Mas, com Will, foi diferente. Foi tão cruel.

Eu o amava! Eu o amava tanto! Eu não podia negar isso. Pena eu não poder tirar aquela dor que ele sentia.

- Eu imagino. Infelizmente, relacionamento abusivo não interfere só na vida do casal. Todos que estão envolta, sofrem juntos.

- A minha mãe chorava todas as noites. Eu nunca entendi porque ela não ia embora. Eu sei que ela era sozinha e que tinha medo de não ter como me sustentar. Mas, se ela tivesse tentado... Eu sei que poderíamos estar juntos agora e eu não seria assim, tão amargurado.

Eu peguei em sua mão e fiz um leve carinho enquanto ele olhava para o fogo.

- Tenho medo de ser como ele. Não sei ter um relacionamento. Eu nunca tive. E se eu for como ele? Quem pode dizer que não sou?

- Só o fato de você ter amado demais sua mãe, o faz ser diferente dele.

Ele assentiu com a cabeça.

- Me fala sobre você, raio de sol.

E eu falei.

Contei meus planos, a perda da minha família e meu relacionamento com Michael. Falei sobre os dias solitários que passei e como fui parar em Clearwater.

Will ouvia atentamente cada palavra. Tinha momentos que ele apertava minha mão, como se dissesse "eu sinto muito". As horas iam passando e continuávamos desabafando. Eu nunca tinha sentido vontade de falar sobre minha vida, como naquele momento. Para ele também era algo novo, nunca vivido.

- Você o ama?

Sua pergunta me pegou de surpresa.

- Não. Não mais.

Will voltou seu olhar para a chama da lareira e depois preencheu sua taça com vinho. Ele deu um gole curto e depositou a taça no chão, para fora do tapete.

- Quer mais uma taça de vinho?

- Quero - eu respondi. - Você não se importa em beber? Quer dizer, você teve uma experiência horrível...

- Eu sei beber socialmente. Pessoas ruins usam o álcool como desculpa para mostrarem o que de fato, são. Há alcoólatras que apesar de tudo, são bons, mas, há alguns que escondem o que são, atrás de uma garrafa.

Depois de me servir, Will bebeu seu vinho. Eu vi seu abdome subir e descer em uma respiração controlada.

Ele me pegou observando-o.

- Esse vinho é muito bom. É da sua adega? - disfarcei.

Ele não me respondeu. Pelo menos, não sobre o vinho.

- Eu falei com Mary.

Virei todo o vinho que estava dentro da taça. Eu precisava daquilo.

- Dei um fim no que ela achava que tínhamos.

UM PONTO DE PARTIDAOnde histórias criam vida. Descubra agora