Heloyse
O problema da decepção é que, quando se está passando por esse processo, ninguém vai te entender e mesmo com palavras você nunca conseguirá explicar o que está se passando dentro de você.
A decepção dói, porque ela vem daqueles que você depositou suas expectativas. Ela pode vir de um amigo, um parente, um filho, esposo, entretanto, nunca de um inimigo. Você sabe o que esperar de seus inimigos.
Ela dói porque um pedaço da gente vai embora com quem nos decepcionou. Eu confiei demais.
Faz três meses desde a última vez que eu pedi uma explicação. Mas eu estava lá, na frente da porta dele, outra vez. E quando ele abriu a porta, senti como se todo ar fugisse dos meus pulmões. Era como se o tempo parasse.
Um, dois, três, quatro, cinco segundos, horas ou anos... Não sei. Apenas parou.
Aquele rosto que eu via todos os dias, agora estava diferente. Tinha uma expressão cansada, vacilante. Estava tão bonito com aquele pijama cinza que era meu favorito. Aquela sensação familiar me acalmava um pouco.
Dei um sorriso sem graça e ele continuava calado com as mãos na cintura e me olhando.
— Oi, Michael!
Olhou-me de um jeito nervoso, passando a mão nos cabelos e depois de uns segundos que mais pareciam uma eternidade, ele resolveu responder.
— Oi, Lisy! O que está fazendo aqui?
Meu coração disparou quando ouvi sua voz.
— Eu precisava falar com você.
— Agora não dá. Eu estou com...
— Está com ela? Eu pensei que... — eu demorei um pouco para processar, por fim, perguntei —: Vocês estão morando juntos? Eu sou idiota por ter vindo.
— Por favor, vai embora… — ele falou como se estivesse suplicando para uma dor sumir.
— Eu sei que tudo acabou, eu só não pensei que vocês fossem... — estava difícil encontrar palavras. — Não pensei que seriam tão rápidos. E você me deve uma explicação, porque você é um maldito idiota — eu lutava contra as lágrimas — Eu corri atrás de você pedindo outra chance e você não me disse se eu deveria esperar por você ou não. Eu me pergunto todos os dias, onde que foi que eu errei. Estes estão sendo os dias e as noites mais longas da minha vida, porque eu não sei como superar tudo isso.
Enquanto eu falava com uma calma fingida, as lágrimas rolavam. A expressão de Michael se tornou em piedade e isso fez com que eu me odiasse mais ainda. Ele deu uma olhada em direção ao interior da casa e voltou a me olhar.
— Não se humilhe mais. Quando vai aprender a ser forte, Heloyse? Não me faça machucá-la mais do que já venho machucando.
— Eu não consigo entender. Você dizia que estaria aqui, por mim. Você dizia que queria uma família comigo e então, dediquei nove anos da minha vida a você. Nove anos! Estou me humilhando por uma explicação, porque eu não aguento mais. Eu preciso disso para tomar uma atitude, seguir em frente e, eu não consigo porque eu não sei o que o fez mudar de ideia.
Ele veio em minha direção e parou na minha frente. Eu quase podia sentir sua respiração. Quase podia tocar nele. Esperei tanto, ansiosa por aqueles passos. Eu queria vê-lo vindo até mim e dizendo que nada mudou. Por um momento, achei que acordaria daquele pesadelo e ele iria me abraçar e dizer “está tudo bem, eu te amo”.
— Eu sei que errei e você não merece isso. Merece alguém bom em sua vida, que lhe dê todo o amor que eu não pude te dar. Então, por favor, vai embora e esquece tudo isso — e então, ele enxugou as lágrimas que teimavam em cair do meu rosto.
Meu coração estava partido. A atmosfera tornou-se pesada e minha cabeça doía.
— Você é único que pode me machucar. Você sabe disso e você faz isso.
— Sim, eu faço! Mas eu nunca quis isso — ele respirou fundo e me olhou de forma carinhosa. — Lisy, eu te amei... Na verdade, eu ainda gosto de você — ele se afastou —, mas o que aconteceu, foi necessário. Não é tão fácil assim.
Michael andou um pouco, fechou a porta e depois, sentou-se no degrau em frente à porta e esperou que eu fizesse o mesmo. Então me sentei ao seu lado.
— Eu sinto muito. Eu pensava em casar com você e ter filhos, envelhecer ao seu lado e tudo que tínhamos planejado. Foram anos incríveis e tinha tudo para dar certo. Eu sei que agora eu pareço um canalha para você, mas tudo aconteceu de uma forma brusca, sem que eu pudesse pausar. — Ele avaliou minha reação depois continuou. — Se eu fiquei com você esse tempo todo, é óbvio que o que eu sentia algo por você — olhou novamente e suspirou. — Mas já conhecia Alice há muito tempo. Ela foi muito importante para mim.
Então, me odiei novamente por estar ali. Eu não queria ser daquele jeito. Eu não queria me arrastar para ele, mas eu não conseguia. Sempre fraca. Dependente. Talvez eu tenha carência afetiva, como já me disseram.
— Ela era mais nova do que eu. Namoramos por um ano e sabíamos que seria só naquele ano mesmo, porque no outro, ela iria embora para o Canadá. O pai dela tem parentes lá. O cara era um idiota — riu de forma amarga — Ele a agrediu uma vez na porta de uma lanchonete e aí, eu fui pra cima dele. Não podia deixar que ele a humilhasse daquele jeito. Então, ele fez da minha vida um inferno. Me perseguia e sempre me agredia quando achava que devia. Um dia, Alice implorou para que fugíssemos daqui.
Enquanto ele falava, eu sentia um nó dentro de mim que me sufocava. Era uma sensação horrível. Como se eu estivesse caindo em algum buraco. Eu não sentia o chão.
— Eu fui um covarde. Eu não quis ir. Mesmo eu achando que a amava, eu não quis ir. Eu tinha meus pais, meus amigos e meu emprego. Como iríamos viver? Eu era só um rapaz iniciando a vida e ela também era muito jovem. Eu disse para ela ter paciência e mesmo que ela fosse embora, manteríamos contato e assim que eu tivesse uma vida mais estabilizada, eu a buscaria. E então, ela me deu adeus. E eu me lembro do rosto dela. A expressão que ela tinha era tão triste quanto a sua.
Eu vi cada partícula de tristeza em suas palavras.
— Eu nunca mais a vi. Depois de uns meses que ela se foi, uma amiga dela me deu seu telefone e sempre que eu ligava, diziam que não a conheciam. Depois, trocaram o número. Perdi contato por quinze anos, até que a vi naquele dia.
Então me lembrei do dia em que fomos à pequena loja de conveniência que ficava próxima a minha casa. No dia em que tudo aconteceu, Michael ficou paralisado olhando para a mulher que pagava algo no caixa. Quando a mulher se virou, houve um silêncio assustador. Nenhum deles disse alguma coisa. Então, a mulher me olhou e passou de cabeça baixa por nós. Michael ficou parado olhando e pedindo desculpas, me deixou sozinha na loja.
— Naquele dia, eu me senti desnorteado quando a vi. Eu me sinto um idiota por ter deixado você lá, sem ao menos dar uma explicação.
— Você se arrependeu de estar comigo, quando a viu — não era uma pergunta.
— Não diga isso! Nunca me arrependi de estar com você ou ter conhecido você. Eu só fui embora porque eu me senti mal. Mal pela forma que tudo acabou e mal porque você nem imaginar quem ela era. Então, eu quis ficar sozinho. Eu queria colocar alguns pensamentos em ordem — me olhou por alguns segundos e depois afastou o olhar para longe.
— Podia ter me contado quem ela era.
— Sim, eu podia, mas não fiz!
De repente, houve um silêncio. Um silêncio carregado de palavras que nunca foram ditas e de palavras que iriam ser ditas. Essas palavras esperavam apenas o momento certo para serem lançadas contra mim.
— Naquela mesma noite, eu fui à pizzaria da Edith, perguntar se ela sabia de alguma coisa. Elas sempre foram muito amigas. Alice estava lá, e então eu o vi — desta vez, havia emoção em seus olhos. — Eu vi um garoto de olhos castanhos e rosto tão familiar. E quando ela me viu, ela olhou para o garoto e para mim. E foi aí que entendi... Eu entendi que aquele menino era meu filho!
Aquele buraco em que eu estava caindo, era tão profundo que me perguntei se um dia ele teria fim. Era um abismo angustiante, como um poço fundo e estreito, claustrofóbico. Eu estava caindo nele e não conseguia enxergar o final.
— Eu sei o quão louco isso é. Mas, naquele dia em que ela queria que fugíssemos, ela estava esperando um filho meu. Ela foi até lá me contar, mas, a minha reação a fez pensar que eu não a queria, então ela foi embora — disse com tristeza. — O pai dela queria que ela abortasse, mas a mãe dela não permitiu. Ela foi para casa de uma tia, onde viveu até ter a criança. Depois, arrumou um emprego e fez a vida dela... — ficou em silêncio por uns segundos e depois continuou —: Ela o criou sozinha. Não se envolveu com ninguém porque vivia só pra ele. No começo, eu fiquei com muita raiva porque la deveria ter me procurado, mas depois que ouvi suas justificativas, eu percebi o quanto foi difícil para ela. Tudo o que ela passou... Eu me sinto culpado.
— Você não teve culpa.
— Mas é assim que me sinto. Eu quero consertar as coisas.
— Ficando com ela? — perguntei com medo de ouvir a resposta.
— Lisy…
— Você me pediu um tempo e eu tentei dar a você. Fiquei me perguntando se você estava passando por um problema de saúde, sei lá… Mas eu me recusava a acreditar que era por outra mulher. Eu ignorava esse pensamento porque não consigo acreditar que você amou por nove anos e em um dia à tarde, você tenha esquecido que eu era a pessoa que você dizia amar. E de repente, você disse que nosso relacionamento não poderia continuar. Não queria me dar explicações e fez a falsa promessa que conversaria comigo e me dizer o motivo. Você nem sequer apareceu, Michael. E quando paro para lembrar tudo o que vivemos, eu agora tenho consciência que em todas as vezes que você disse me amar, havia uma hesitação... Ou automático...
— Eu não pude ir até você. Não conseguia olhá-la. Eu tenho tendência a ser covarde, não é? — ele deu um sorriso sem graça e abaixou a cabeça. — Eu realmente falei a verdade quando eu disse primeiramente que queria apenas um tempo. Mas durante aqueles dias, eu visitava o meu filho. Eu sentia que devia a ele, o meu tempo e eu gosto de estar com ele.
— E com a Alice! Você gosta dela ainda?
Michael abaixou o semblante e ficou em silêncio. Eu sabia a resposta.
— Quando paro para lembrar tudo o que vivemos, eu agora tenho consciência que em todas as vezes que você disse me amar, havia uma hesitação... Era algo automático... Oh, meu Deus... Quando foi verdadeiro?
— Foi verdadeiro, Lisy...
— Eu vi a forma como você a beijou... Como se vocês nunca tivessem se separado. Agora eu entendo.
Ele abaixou o semblante.
— Naquele dia, foi meio confuso. Ela disse que não queria que eu abandonasse minha vida para viver a deles, que não precisava ficar com eles por me sentir culpado. E durante nossa discussão, quando ela disse que ainda me amava, eu senti algo estranho. Um impulso, então a beijei. Mas quando eu te vi lá, parada no estacionamento, eu não sabia o que fazer. De qualquer forma, eu já tinha feito. Eu já tinha magoado você, e isso me magoou também.
— Eu esperei você, Michael. Esperei você me procurar e por mais doentio que pareça, eu queria te perdoar. Eu quis te perdoar não por um erro que você cometeu, mas por todas as vezes que esteve ao meu lado. E eu fiquei por malditos três meses esperando você se explicar. Você me traiu…
— Já tínhamos terminado..
— Você me expulsou da sua vida, porra! Nem um cachorro merece ser retirado da vida alguém, dessa forma. Não me dava uma explicação, depois, não atendia minhas ligações, evitava me receber no seu trabalho. Era eu que deveria evitá-lo e mesmo assim, me humilhei por você. Foram três meses assim. Você não se magoou, Michael, porque a única que saiu magoada aqui, fui eu!
Eu me levantei rapidamente. Ele também se levantou e segurou meu braço.
— Me perdoa! Eu ia contar. Eu ainda queria estar com você, mas...
— Mas você a ama. Sempre amou. O tempo não foi capaz de apagar isso entre vocês — eu disse puxando meu braço. — Se não a amasse, não teria passado dúvidas no seu coração, Michael. Eu estou sobrando... Não há mais espaço para mim.
— Lisy, o que sinto por você ainda é especial. Eu sinto tanto sua falta e eu não queria que tudo tivesse acabado assim. Mas quando eu olho o Erick e a Alice, sinto vontade de estar com eles.
As palavras se foram. Tudo se foi.
— Uma vez eu ouvi que “não importa quais estradas temos que tomar, um de nós tem que partir” 1. Você precisa seguir em frente. Eu já encontrei meu lugar.
Então eu o vi.
Parado à porta, estava Erick. Uma cópia perfeita do pai. Tão lindo quanto ele. Vê-lo, fez com que eu me sentisse sobrando. Eu já não pertencia mais a vida de Michael, e isso, doeu. Talvez, eu nunca tivesse pertencido.
— Heloyse, também dizem que, quando alguém pedir um tempo, você lhe dá a eternidade. Nunca mais repita o erro de sofrer por alguém. Você não merece isso. Você deve ser amada.
— Você seria a última pessoa que eu pediria um conselho. Adeus, Michael.
Eu fui me afastando, indo embora para sempre.
Ouvi Michael me chamar. Quando olhei para trás, eu só consegui dizer "seja feliz". Ele acenou com a cabeça e juro que pude ver seus olhos marejados. Eu não quis ficar para confirmar.
“Eu sempre soube que fomos destinados a dizer adeus”2 , pois eu já havia dito esta palavra tantas vezes.
Então eu corri!1- Frase da música Already Gone, Sleep At Last
2- Lisy usa frase da mesma música citada por Michael

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UM PONTO DE PARTIDA
RomanceTragédia e perda deixaram Heloyse à deriva, presa em um vazio onde a dor é sua única companhia. Em busca de um escape, ela se lança ao desconhecido-não para se encontrar, mas para esquecer, nem que seja por um instante. Sua jornada a leva a terras v...