Capítulo Quinze - Fazenda O'Connor

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Heloyse

Em casa, eu ainda estava atordoada com o que aconteceu. De certa forma, mexeu comigo.
Tomei um banho e fui para casa dos Ferrel à noite. Preferi não contar sobre ele. Na verdade, preferi esquecer, infelizmente, eu não conseguia. Me sentia estranhamente ansiosa. A cada minuto que passava, eu me surpreendia pensando nele. Qual seria o nome dele? E aqueles olhos, aqueles lábios...? Por que não saiam da minha cabeça?
— Você está bem, chava? — Thom colocou sua xícara na mesa e me olhou com o cenho franzido.
— Estou. É só uma dor de cabeça. Creio que fiquei muito tempo no sol.
— Lisy foi nadar no rio da fazenda O'Connor — disse Cielo.
— Eu prometi à Cielo que a levaria, infelizmente eu estava muito ocupado. Como foi recebida na fazenda?
Eu não tinha a mínima intenção de contar o que aconteceu, então, contei uma pequena mentira.
— Eu não fui à fazenda. Segui pela estrada e fiquei onde as pessoas costumam nadar.
— É uma pena. Ali é maravilhoso, mas, a fazenda do Will tem a melhor parte. Aposto que você viu. Tem árvores que dão boas sombras e ótimas pedras para gente sentar e relaxar. O lugar é lindo. Você vai gostar.
— Creio que já vi o bastante.
— Garanto que não. E amanhã bem cedo, preciso ir até lá. Quero que me acompanhe.
— Eu acho melhor não. Pretendo ajudar Cielo a fazer algumas tortas...
— Que besteira! Eu sempre dei conta sozinha. Quero que você saia um pouco dessa fazenda. Nós já somos velhos, você não é. Vai conhecer o lugar.
Eu dei uma grande golada no meu café e sorri. Será que eu iria vê-lo?
E de repente, me dei conta que eu não havia pensado um minuto sequer, em Michael. Michael era só um nome na minha mente, porque a imagem que tomou conta de toda minha cabeça era a do moço dos olhos verdes.

***

No dia seguinte, eu acordei ansiosa para ir à fazenda O'Connor e eu não sabia o motivo. Estava tão ansiosa que nem tomei café. Coloquei uma camisa branca, um jeans escuro e minhas botas.
Thom disse que eu podia montar Trovoada a qualquer hora. Coloquei a sela na égua e fui de encontro com ele. Thom estava a minha espera, montado em seu cavalo, Cometa.
Seguimos para a propriedade do senhor O'Connor e ainda iria dar sete horas da manhã. Thom disse que pessoas de fazendas tinham o costume de acordar cedo.
Já na frente do grande portão, saiu um senhor da pequena guarita. Era baixinho, com um bigode grosso e um chapéu na cabeça. Após alguns segundos, o senhor que atendia por nome Joseph, nos cumprimentou.
— Bom dia, Thom.
—Bom dia, Joseph! Will está?
— Está sim. Vou abrir o portão.
— Obrigado!
O moço dos olhos verdes sabia meu nome. Certamente Thom já devia ter falado de mim para os empregados da fazenda ou para o próprio O'Connor. Com certeza o senhor O'Connor não iria me repreender por ter entrado no seu rio sem permissão, caso aquele empregado tenha dito alguma coisa.
Depois de um clique, o portão abriu automaticamente.
A casa ficava longe da entrada e do lado de dentro, eu podia ver as belas árvores e palmeiras que enfeitavam o lugar. Minutos depois, um homem se ofereceu para levar Trovoada e Cometa para beber água. Eu parei diante da porta e uma senhora de cabelos grisalhos veio nos atender.
— Bom dia, senhorita! Thom! Podem entrar.
— Bom dia, senhora! — eu disse devolvendo o sorriso que ela me deu.
— Pode me chamar de Eva — disse, nos levando para o interior da casa. — A senhorita pode se sentar. Will está no pátio e logo estará aqui. Desejam algo para beber?
— Não, estou bem, e você Lisy?
— Não! Obrigada!
— Bom, se quiserem algo, é só chamar.
— Calvin está por aqui?
— Ele deve estar no celeiro. Quer que eu mande alguém procurá-lo?
— Não precisa, Eva, eu vou até lá. Você me espera aqui, Lisy? Ou se quiser, pode dar uma volta pela fazenda. Creio que Will não se importará.
— Eu vou ficar bem.
Thom deu um sorriso e em seguida saiu. A senhora pediu licença avisando que logo seu patrão iria à procura de Thom e que eu poderia ficar à vontade.
A sala tinha uma decoração rústica. A madeira dos móveis era escura e grosseira, esteticamente harmoniosa. Alguns itens eram feitos de palhas trançadas e troncos de árvores. Era tudo tão lindo. Só faltava apenas um toque feminino.
Eu nunca havia estado em um ambiente tão aconchegante como aquela casa.
Resolvi seguir o conselho de Thom e saí para andar pela fazenda.
Uma senhora um pouco mais nova que Eva, carregava um cesto. Parou perto de um varal, pegou um lençol branco do cesto e o estendeu. Mais adiante, um rapaz regava a horta e conversava com uma moça. Ela ria enquanto ele ameaçava molhá-la. Eu dei risada e continuei andando.
Alguns minutos depois, um pouco afastada da casa, pude ouvir o barulho do rio. Continuei andando um pouco mais até chegar próximo à beirada. Olhei para trás e já não avistava mais a casa devido à pequena descida que se formava no percurso. Eu me encontrava distante do local onde estive no dia anterior.
Ali, tinha um balanço feito de pneu amarrado a uma árvore, um banco de madeira perto do balanço e algumas pedras formando um círculo. Tudo indicava que alguém havia feito uma fogueira.
À minha esquerda, um pouco mais adiante, uma estreita trilha seguia caminho acima. Caminhei em passos lentos para ver se de onde eu estava, conseguia ver alguma coisa, mas foi sem sucesso. Comecei a caminhar pela trilha até avistar mais adiante, um celeiro, onde um rapaz acabava de sair e seguir para a casa principal. Alguns passos depois, eu já estava no local que avistei. Havia sacos e mais sacos empilhados.
Neste momento, algo passou atrás de mim, fazendo com que eu me assustasse. Eu me virei e contornei o celeiro a fim de descobrir o que havia causado o meu susto e para minha surpresa, me deparei com um cachorro de pelos pretos. O animal procurava alguma coisa em um arbusto, até que se virou e começou a rosnar para mim.
— Calma, amigão! Calminha, ok? Vou deixar você caçar o seu almoço.
O cachorro rosnava e caminhava lentamente e, a cada passo que ele dava, eu dava um para trás. Quando pensei em correr, uma voz atrás de mim o chamou a atenção. Não só a dele.
— Sony!
O animal olhou pra mim, abanou o rabo e correu animadamente de encontro ao dono da voz.
Quando me virei, me deparei com os olhos verdes, parado atrás de mim. Ele sorriu para o animal, fez um carinho em sua cabeça e disse "vai". O animal atendeu o homem, sem pensar duas vezes.
— É um lindo animal. Qual a raça?
Ele já não estava mais sorrindo. Colocou as mãos nos bolsos da calça e com o que parecia um tremendo desgosto, me respondeu.
— Kelpie Australiano.
Eu assenti com a cabeça me sentindo desconfortável e quando pensei em formular mais alguma coisa para dizer, ele tirou o chapéu e secou o suor da testa.
Como um gesto podia ser tão sensual assim?
Parei para observar sua calça jeans surrada, a bota empoeirada e a velha camiseta preta que ele vestia. Os cabelos estavam amarrados e havia alguns fios soltos e molhados de suor.
— Acredito que não tenha vindo aqui só para saber a raça do cachorro — disse enquanto colocava o chapéu, novamente —, assim como não acredito que tenha passado por baixo da cerca como da última vez.
— Eu vim com o Thom. Ele queria ver o senhor O'Connor.
— O senhor O'Connor?
Eu notei um leve sorriso em seus lábios e foi tão breve, que eu me perguntei se alguém já teria visto aquele homem sorrir. Quem viu, certamente não esqueceria.
— Sim. Ele é seu patrão?
— Não, ele não é meu patrão.
— Então é amigo dele?
— Por que o interesse?
— Já é a segunda vez que o vejo aqui. Ontem você me advertiu sobre não invadir mais a propriedade. Creio que você não é só um visitante. Além do mais, só um empregado se vestiria assim — eu disse apontando em sua direção. — E você é muito jovem para administrar algo tão grande.
Ok, eu estava um pouco nervosa e talvez, falando o que não devia.
— Minha roupa não te agrada, senhorita?
— Você não está aqui para me agradar. Mas, se você se veste como um empregado, então deve ser um.
Depois de me avaliar por alguns segundos, ele passou por mim e foi até o celeiro. Eu o segui. Ele puxou um saco de cima de uma das pilhas e colocou sobre um carrinho de mão.
— Eu não quis ofende-lo. Eu só quis dizer que, você está vestido como alguém que está trabalhando, por isso deduzi que trabalha aqui. E estou certa, não é?
— Bem... Estou trabalhando, não estou? Além do mais, não me ofendeu em nada. Ser um empregado, não tem nada de vergonhoso, desde que o trabalho seja digno.
— Eu penso o mesmo. Como eu disse, eu não quis ofender, eu só queria saber se você trabalhava aqui. Mas, não entendo porque você disse que ele não é seu patrão, se acabou de confirmar que é um empregado.
Ele colocou o segundo saco em cima do carrinho, bateu as mãos nas laterais da calça e me olhou por alguns segundos.
— Vai mudar alguma coisa na sua vida se eu trabalhar aqui ou não?
— Não... É que...
— É que você é muito curiosa. Sua mãe nunca lhe disse que a curiosidade matou o gato?
— Se ela disse, eu nunca prestei atenção.
Ele me olhou por uns segundos e deu um passo à frente e eu, recuei. Conforme ele caminhava, eu recuava mais ainda, até que senti a parede fria do celeiro em minhas costas. O homem apoiou uma mão em cada lado da parede, na altura do meu rosto, me cercando.
Meu coração palpitava tão rápido, que pensei que podia ouvi-lo. O medo se instalou em mim, porém, eu não conseguia correr. Não quando aqueles olhos me fitavam e seus lábios estavam tão perto.
— Sabe, Heloyse? Eu odeio pessoas curiosas, odeio pessoas que atrapalham meu serviço, odeio gente que eu não conheço e acha que me conhece e odeio mais ainda, o fato de que você está aqui, sendo curiosa, atrapalhando meu serviço. Uma estranha achando que me conhece só pelas roupas que visto.
Ele falava assustadoramente baixo.
Totalmente sem graça, eu coloquei a mãos sobre seu abdome e tentei empurra-lo. Eu adorei aquilo, não nego.
— Não vou mais atrapalhá-lo.
— Será? — ele perguntou com a voz grave.
— Sim.
— Sabe o que mais me irrita desde que te vi?
— O quê?
Eu me arrependi de ter perguntado. Não era normal eu agir como adolescente boba.
— Saber que uma hora ou outra, íamos acabar nos vendo. E se quer saber, isso não é bom, pra nenhum dos dois.
Eu o empurrei novamente e ele nem sequer saiu do lugar. Então, fiz a pergunta mais idiota que veio a minha cabeça.
— Qual o seu nome?
E então uma voz chamou nossa atenção.
— Lisy!
O homem se afastou permitindo que eu saísse.
Quando Thom me viu saindo do celeiro, deu um sorriso e colocou a mão na cintura.
— Chava! Pensei que tinha se perdido pela fazenda. Me disseram que a viram no rio e quando cheguei, você não estava.
— Eu estava conversando com o...
— Thom, como vai?
Ele saiu do celeiro e com a mão estendida, foi até Thom e o cumprimentou.
— Então é aí que você está? Eu estou bem. Procurava por você. De qualquer maneira, Calvin já resolveu meu problema.
O homem fez um breve gesto com a cabeça.
— Vamos, Lisy?
Eu concordei e me posicionei do lado de Thom e antes de seguirmos caminho, algo então aconteceu:
— Até mais. E Will, Cielo pediu que fosse a qualquer hora comer uma de suas tortas.
"Will"?
Eu abri a boca para falar algo, mas, não tinha ideia do que era e muito menos conseguia dizer algo. Parecia que as palavras se perderam.
Ele colocou a mão no chapéu, como um cumprimento, deu as costas e voltou para o celeiro.
Aquele era William O'Connor.

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