Capítulo Vinte e Dois - Não existe "nós"

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Heloyse

Eu estava apoiada em minha janela de quarto olhando o dia lá fora. A luz do sol esquentava meu rosto enquanto eu ficava com meus olhos fechados acolhendo o dia. E apesar de toda a tristeza, eu reconhecia a beleza daquela manhã.
Eu estava indo tão bem. Já não sofria por Michael e agora estava sofrendo por um estranho. Por alguém que deixou claro que eu não passava de uma atração.
Eu abri meus olhos e respirei fundo. Eu sentia o cheiro de Will em mim.
Soltei um longo suspiro e passei a língua em meus lábios imaginando que eram os lábios dele que me acariciavam.
Após minha higiene, fiz uma xícara de café e comi uma fatia de torta de mirtilo.
Eu ainda estava com a roupa de dormir, então voltei para a cama. Eu não estava mais com sono, mas, depois do que aconteceu, eu não sabia nem por onde começar meu dia.
Deitada na cama, eu entrelacei meus dedos sobre minha barriga e fiquei olhando para o teto. Me levantei e tomei uma decisão: Eu precisava deixar claro que eu não permitiria que ele se aproximasse de mim novamente.
Abri o armário e tirei do meio das roupas, um vestido que Megan me deu. Era florido com lindos girassóis estampado no tecido. Ele deixava meus ombros de fora e ia justo até a cintura, para depois, abrir em meus quadris.
Coloquei minhas botas que já estavam criando vida de tanto que eu usava. Soltei meus cabelos, contornei meus olhos com um lápis e um rímel, depois, acrescentei em meus lábios, um batom nude.
"Ótimo! Muito bom", eu pensei.
Saí de casa e fui abrir o portão. Entrei na caminhonete e dei partida.
Dei uma olhada para o pasto da fazenda de Will. Eu tinha a esperança de vê-lo tocando o gado, mas, ele não estava.
Eu iria deixar claro que, o que houve na noite anterior, não se repetiria. Eu não iriaa ficar sofrendo por um idiota como ele. Mas, eu também queria vê-lo e isso, estava me matando por dentro. Eu havia lavado meu travesseiro com lágrimas na noite anterior.
Chegando à entrada da fazenda, o portão estava aberto e Calvin, se preparando para entrar com seu cavalo. Quando me avistou, cumprimentou com a cabeça e deu um sorriso. Em seguida, fez um gesto para que eu entrasse. Eu entrei e dirigi até a frente da casa, deliguei a caminhonete e desci.
— Bom dia, senhorita!
— Bom dia, Calvin e me chame de Lisy. Will está?
— Bem, agora são umas sete horas. Há essa hora, geralmente ele está no estábulo.
— Ah... E onde fica o estábulo?
— É só seguir por ali, senhorita.
Quando percebeu que havia me chamado de senhorita novamente, ele sorriu.
— Não consigo evitar — ele disse.
— Certo — sorri. — E obrigada pela informação!
Cielo já havia comentado que a fazenda de Will era enorme. Eu nunca me imaginei morando em uma fazenda e quando me vi aqui, em Clearwater, não conseguia me imaginar novamente na selva de pedra. O sossego aqui era valioso.
Depois de andar por um tempo, avistei o estábulo. Era enorme e acima, o nome "O'Connor" era exibido na entrada.
Eu entrei no estábulo e fiquei encantada com os cavalos que Will tratava. Eram de pelos marrons, outros, pretos.  Fui mais adentro, na intenção de olhá-los de perto. Um dos cavalos de Will fez barulho ao se movimentar e levei um susto.
"Animais fazendo barulhos e me assustando já estão virando um costume", pensei.
Aproximei-me e passei a mão na cabeça do animal de pelos escuros como uma noite de trevas. O animal era muito dócil.
— Hey, amigo! Qual seu nome, hein?
Percebi que tinha uma placa na entrada da baia, com o nome "Diamante".
Sim, ele era um lindo diamante negro.
— Você é lindo, Diamante. Igual ao seu dono.
Depois de uns segundos, andei até a outra porta do estábulo. E então, lá fora estava a coisa mais fascinante que eu pude ver. Era Will treinando um cavalo marrom com as patas brancas. A crina e o rabo tinham longos pelos dourados. Eles estavam em um grande haras contornado por uma enorme cerca. Will segurava nas rédeas do cavalo, fazendo com que ele corresse em círculos.
Encostei-me à porta do estábulo e fiquei observando.
Will estava sem camisa, uma calça jeans clara rasgada em um dos joelhos e botas. Os cabelos dele estavam livres e caiam em seu rosto a cada passo que ele dava. Sua pele bronzeada brilhava com o suor.
"Quente."
Eu podia vê-lo sorrindo e acariciando o cavalo. Em outro momento, eu o via falando com ele. Will encostava sua testa na do cavalo e sussurrava. Houve um momento em que ele parou e levantou o olhar em direção ao estábulo. Quando ele me viu, senti um magnetismo que me empurrava a ele.
Ele olhou em silêncio por alguns segundos e voltou a atenção para o que fazia.
Will continuou correndo com o cavalo e depois de um tempo, ele parou e montou nele. Eu me aproximei à cerca e subi, ajeitando meu vestido para que eu pudesse sentar.
Ele fazia com que o cavalo corresse em círculos. Em outros momentos, ele fazia com que o cavalo pulasse. Eu observei pacientemente por quase quarenta minutos.
Às vezes, Will me olhava.
Quando terminou de treinar, ele desceu do cavalo e segurou as rédeas, fazendo com que o cavalo caminhasse com ele. Abriu o portão do haras e saiu, fechando assim que ele e o cavalo estavam fora.
Ele parou, enquanto eu me aproximava dele.
— Seu cavalo é lindo. Aliás, todos são! — eu coloquei minhas mãos para trás do meu corpo e dei um sorriso tímido em sua direção.
Will olhou para meu vestido e desceu o olhar para minhas pernas. Eu abaixei a cabeça tentando esconder meu desconforto.
— O que faz aqui?
Permaneci calada, pois, mesmo que eu quisesse, a voz não saía. Eu me sentia uma tremenda idiota perto dele.
Ele não esperou que eu respondesse e andou até entrar no estábulo. Abriu a porta e conduziu o cavalo para dentro. Em seguida, retirou a sela do animal e saiu.
Ele fechou a porta e guardou o equipamento de montaria. Pegou a camiseta que estava pendura na parede, vestindo-a, depois voltou sua atenção a mim.
— E então? O que veio fazer aqui? — ele perguntou cruzando os braços.
— Eu vim ver você... Quer dizer... Falar com você.
— Sobre o quê?
— Sobre nós.
— Não existe "nós", Heloyse.
Foi como se uma bofetada tivesse atingido meu rosto.
— Ainda assim, vim para conversar.
— Eu disse que odeio quem atrapalha meu trabalho. Pelo jeito você está se empenhando bem nessa tarefa.
— E eu disse que vamos conversar. Não pode...
Will deu um sorriso cínico e depois saiu. O idiota me deixou falando sozinha.
Eu andei o mais rápido que pude e segurei seu braço.
— Espera! Não vou embora sem antes conversarmos.
— Tudo bem, fale!
Will voltou a andar, enquanto eu tentava alcança-lo.
— Podemos conversar em algum lugar?
— Eu vou tomar café. Pode me acompanhar se quiser.
— Não vou a lugar algum com você.
— Então, sinta-se à vontade para conversar com meus cavalos.
Eu coloquei minhas mãos na cintura e o observei se afastar.
Ah, sim, eu o odiava!
Corri para alcança-lo e o segui até a casa principal, calada.
Chegando à sala, Will pediu a Eva que o servisse e por mais que eu insistisse que não queria comer, Will parecia não me ouvir e acabei aceitando um copo de suco.
Depois de alguns minutos, ele estava me servindo.
Eu ainda achava que ele era bipolar.
— Você sempre faz o que quer?
— Na maior parte do tempo, sim. E então?
— Um pedaço de torta já está bom — falei revirando os olhos.
Ele cortou um pedaço e colocou no meu prato.
Parecíamos apenas amigos ou um casal de namorados aproveitando o café da manhã, apreciando a companhia um do outro. Mas, Will era um homem de rosto amargo, postura dura e gesto rude. Tudo tão nítido em sua forma de agir. Era um homem de poucas palavras, mas, de olhar intenso. Eu me sentia totalmente desconfortável e ao mesmo tempo era intrigante estar perto dele.
— Sua casa é muito bonita.
Ele deu um gole no seu café e desviou o olhar para a porta que dava acesso ao lado de fora.
— Quem a construiu teve um bom gosto — eu disse, tentando quebrar o silêncio.
— Você realmente quer conversar sobre a minha casa? Por que não consegue ir direto ao assunto?
— Meu Deus, e você não consegue ter uma conversa normal? — eu disse depositando meu copo de suco, na mesa. — Ao menos você já fez isso? Já teve uma conversa normal com uma mulher? Você já conseguiu estar na companhia de alguém sem tentar deixá-la constrangida?
— Você já conseguiu deixar de ser curiosa? Quis saber meu nome, se eu era um empregado, quem construiu minha casa, se eu consigo conversar com uma mulher, porque eu fui à festa dos White, porque eu não corro atrás de Patsy como os demais... Você é irritante! Mas, vou deixar que você fale sobre o que está deixando-a tão inquieta. Embora, eu imagine o que seja. Esse papo de "nós", deve ser a causa. Como eu disse, não há um "nós". Não fantasie isso.
— Não fantasiar? Eu não fantasio nada entre a gente.
— Você finge muito mal. Aposto que achou que, só porque eu a beijei, eu estou com algum interesse em você. Pensou que com sua conversa extremamente sem graça, eu iria ouvir seus sentimentos, sobre o quanto eu mexi com você e que isso não estava certo. Eu já disse que é apenas atração. Isso, eu posso sentir por qualquer mulher bonita.
Eu levantei e caminhei até onde ele estava sentado. Ele iria me ouvir.
Quando o vi sorrir ao levantar a xícara de café até os lábios, perdi o controle. Peguei a jarra de suco que estava no centro da mesa e com toda a raiva, joguei todo o líquido da jarra, em seu rosto e saí correndo.
Antes de chegar à caminhonete, Wil já estava tão próximo que em segundos, ele me segurou. Quando senti minhas costas bateram na lataria da caminhonete, eu gritei, mas não de dor e sim pelo susto.
Will tinha as mãos em meu pulso e por mais que eu tentasse me livrar, era inútil.
— Me solta, seu bastardo, filho da...
— Não se atreva a terminar a frase. Eu não vou permitir que me ofenda.
— E eu não vou permitir que me trate como uma qualquer — eu gritei. — Você me chamou de prostituta na merda daquela festa e agora insinua que eu estou me jogando em você. Você é um hipócrita. Você me ofendeu primeiro, seu desgraçado bipolar.
— Se sou tão desgraçado, um bastardo filho de uma puta, então é natural que eu me comporte assim. Minhas atitudes então, são de acordo com o que sou — disse elevando a voz.
— Eu vim para dizer que ontem foi a última vez que você me beijou, porque eu não estou nem um pouco a fim de ser a sua aventura de uma noite. Não sou como as mulheres que se jogam em cima de você, muito menos irei permitir que me veja como tal. E agora, seu idiota, me solta antes que me machuque — mas, a minha tentativa de puxar os pulsos foi em vão.
— Eu posso te machucar muito mais. Não imagina o quanto, Heloyse.
Will tinha uma voz rouca de causar arrepios e naquele momento, o seu tom baixo como o de um sussurro, fez com que o medo me invadisse.
— Solte a moça, Will!
Calvin estava trás dele com a mão apoiada cautelosamente sobre o seu ombro. A voz mostrava uma calma fingida.
Eu respirei aliviada por saber que ele estava ali.
— Do que você tem medo, Calvin? Tem medo de comprovar que eu sou um maldito reflexo?
— Você não é! Mas, a senhorita não sabe e você está assustando-a. Sei que quer afastá-la de você, mas, você pode fazer algo que vai se arrepender amargamente. Não demonstre a ela, algo que você não é.
Will continuou olhando em meus olhos e depois de alguns segundos, ele me soltou.
Lentamente ele meu deu as costas e parou. Eu não conseguia ver a expressão dos dois, pois Will era muito alto e bloqueava a visão que eu tinha de Calvin.
— Eu poderia machucá-la com ou sem você me segurando, e de várias maneiras.
— Poderia, no entanto, esse não seria você.
— Os anos passaram e você ainda enxerga algo bom. Pela última vez, não deposite sua confiança em mim.
— Não posso evitar. Você é importante pra mim, filho.
— Eu não sou seu filho, senhor Mitchell.
Então ele saiu sem olhar para trás, deixando um semblante triste no rosto daquele senhor que tinha acabado de me ajudar.

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