Capítulo Vinte e Três - Eu não sou seu filho

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Davies

- Eu não sou seu filho, senhor Mitchell! Eu nem consigo pronunciar aquela maldita palavra.
- Eu sei e não pretendo fazê-lo me enxergar como um pai. Mas, quero que se sinta amado por mim e minha esposa.
- Obrigado, mas, quando eu crescer, eu vou embora e não vou olhar para trás.
- Quando você crescer, espero que se torne um bom homem, Davies. Isso já seria o suficiente para me sentir feliz. Você será um bom homem?
- Eu não sei. Sou apenas um menino. Não cresci o suficiente para saber se serei bom ou não.
- Você age como se tivesse crescido e se tornado um homem amargurado. Você é um menino que fala pouco, mas, quando fala, parece ter uns cem anos e que carrega o mundo nas costas. Você só tem doze anos. Quatro anos já se passaram desde que aquilo aconteceu e sempre que olho para você, vejo que você parece reviver aquela cena todos os dias. Isso não é bom. Seu corpo não está velho, mas, seu coração envelhece todos os dias, Davies, assim como as suas palavras.
- Não me chame assim! Só ela e aquele desgraçado me chamavam assim. E não entendo porque todo esse sermão. Tudo isso só por que quebrei o nariz do Charlie?
- Por isso e por você estar descontando sua raiva nos seus amigos.
- Que amigos? Não sei se você percebeu, mas eu não tenho nenhum. Eu não suporto a escola. Meus professores me olham como se eu fosse um cão abandonado e as outras crianças... Elas pensam que eu não vejo quando cochicham. Eu até as ouço. Você sabe o que elas dizem? Que eu não falo muito porque fiquei com problema mental depois que o Wilson me bateu até eu perder a consciência. Elas falam para eu ouvir, Calvin. E o Charlie implica comigo desde os outros anos. E hoje, ele me acertou com a bola e quando eu não disse nada, ele me chamou de "bastardo, filho de uma puta". E então, eu o derrubei no chão e quebrei o nariz dele com todos os socos que eu podia dar. Minha mãe não era uma puta, Calvin. Eu não vou permitir que ele ou qualquer outra pessoa, diga isso dela.
Calvin respirou fundo, arrumou a postura no banco e olhou para algumas crianças que brincavam na praça.
Eu me sentia seguro com ele. Eu apenas não conseguia dizer. Eu não conseguia demonstrar e ao mesmo tempo em que eu me sentia assim, eu o queria longe de mim. Eu queria que as pessoas não me vissem. Queria ser invisível. Me trancar em um quarto e esperar a morte chegar, mas, Calvin não deixava isso acontecer. Eu só queria que ele desistisse de mim e deixasse que eu morresse aos poucos, afogado na minha tristeza.
Eu tinha doze anos e parecia que eu tinha vivido muito mais. Se a vida era aquilo que eu vivi até ali, eu não a queria.
Calvin voltou seu rosto em minha direção, observou minha camiseta suja com o sangue que tirei de Charlie e colocou a mão no meu ombro.
- Eu sinto muito que ele tenha dito isso e sinto pelo que você passa. Eu queria poder tirá-lo da escola e lhe pagar aulas particulares, mas, eu não tenho condições...
- Não quero que gaste dinheiro comigo. Eu não quero nada de ninguém. A única coisa que quero é poder encontrá-lo um dia e matá-lo.
- Não diga isso, Davies...
- Não me chame assim! -- eu gritei, tirando sua mão do meu ombro.
- Tudo bem, William. Mas, matá-lo, não vai trazê-la de volta.
- Se nada pode fazê-la voltar, então não faz diferença o que faço ou deixo de fazer. No final das contas, ela não volta.
- Santo Deus... Por que você não pode agir como uma criança? Por que você não chora, William? Desde aquele dia, você nunca chorou. Já tentou gritar e colocar para fora tudo o que você tem aí dentro? Pelo amor de Deus, chora e desabafa comigo. Me fala sobre a sua dor, mas, não faça isso que você está fazendo agora. Não desconta essa merda toda no seu futuro. Por que você é assim, filho?
Eu tentei responder suas perguntas. Tentei! Mas, a única coisa que consegui dizer naquele momento foi "eu não tenho a merda de um pai". Eu disse a última palavra, com nojo.
Me levantei e fui para casa.
Naquele dia eu não voltei a falar com ele e nem com a Eva. Não desci para jantar e não dormi. Naquele dia eu me perguntei por que eu não chorava, mas, a única resposta que minha mente deu foi, "porque você não tem mais um coração".
Então me cobri e esperei o dia clarear.

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