Capítulo Dezessete - Eu sou um cara mau

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Heloyse

Logo à frente, estava Johnson. Ele me viu e acenou com um sorriso caloroso no rosto. Confesso que a beleza de Johnson era algo encantador, todavia, não se comparava nem de perto, com Will.
Eu não sabia o motivo pelo qual me sentia assim em relação a ele. Sabia que era normal admirar alguém, no entanto, tinha algo mais e eu não conseguia decifrar.
Depois que vi Will pela primeira vez, ele vinha tomando conta dos meus pensamentos. Ontem, fiquei imaginando como seria beijá-lo, tocar seus cabelos... E então, tivemos nosso primeiro beijo. Um beijo feio, mas, ainda assim, era nosso.
Olhei novamente para ele e me perdi naquele rosto. Cada curva, cada linha do seu rosto, era convidativa. Será que era normal sentir algo assim por alguém que você tinha começado a odiar?
Eu não sabia a resposta. Não sabia qual nome dar àquele sentimento. Acho que deixei a beleza dele me fascinar. Ele agiu como um perfeito idiota, mas, isso não mudava o fato de que ele, de certa forma, prendia minha atenção.
–– Me concede essa dança, Lisy?
— Oi Johnson. Eu...
— Ela já tem par, Johnson — falou Will, com a voz controlada.
— Bem... Ela não disse "não"! — era evidente o tom debochado na voz dele e em seguida estendeu a mão pra mim. — Você vem?
Que mal teria? Era só uma dança e eu não tinha que me incomodar com a opinião de Will. Na verdade, tudo o que eu queria era ir embora e sair de perto dele.
Eu segurei em sua mão e deixei que ele me conduzisse até onde as pessoas estavam dançando.  Enquanto a música tocava, Johnson aproximou seu rosto perto do meu e sussurrou:
— Você é linda. Eu não via a hora de dançar com você. Só o fato de estarmos assim tão próximos, me deixa tão feliz, Lisy.
Eu sorri e depois o avisei que não sabia como dançar country. Johnson me ensinou alguns passou e minutos depois, eu já estava envolvida com outras pessoas, dançando e rindo.
Tempo depois, a música mudou para uma mais lenta e os pares eram formados.
— Você se tornou amiga do O'Connor?
— Não! Quer dizer... Os Ferrel são amigos dele. Eu só o vi algumas vezes.
— Tudo bem. — sorriu — Mas, ele não é do tipo que gosta da companhia de mulheres.
— Por quê? Ele gosta da companhia de homens? — eu perguntei, franzindo a testa e lembrando-me do beijo que ele me deu no banheiro.
— Não, Lisy! — Johnson soltou uma risada — É só que ele é do tipo que usa a mulher e depois a descarta como se fosse lixo.
O comentário me desapontou e eu não pude disfarçar meu descontentamento. Afinal, eu tinha sentido na pele, quem ele era.
— Por que você está dizendo isso?
— Porque você é linda demais e tenho certeza que ele notou isso. As mulheres lá na cidade, se jogam na frente dele e quando ele as tem, ele simplesmente as dispensa. Minha irmã foi uma delas.
— Eles namoraram?
— Você ainda não entendeu? Ele não é do tipo que namora. Eles ficaram apenas por uma noite. Minha irmã nutria uma paixão por ele, mas, ele não queria nada sério. Eu vi minha irmã chorar por ele várias noites. O que mais me dói, é ver que ela nunca o culpou pelo seu sofrimento. Se ele não queria nada com ela, não devia ter dado esperanças.
— Ela ainda gosta dele?
— Não. Isso foi há anos e hoje em dia ela mora em Nova York. Casou-se e tem dois filhos.
— Quem bom! Fico feliz por ela.
Johnson colocou a mão em meu rosto e acariciou.
— Eu só quero seu bem, Lisy. As pessoas não são o que aparentam.
Eu fixei essa frase na minha cabeça.
Ficamos calados e dançamos até a música acabar. Quando pensei em dizer algo, uma voz atrás de mim chamou nossa atenção.
— O tempo acabou.
— E quem está contando? — perguntou Johnson, encarando Will.
Will se aproximou mais e ficou entre Johnson e eu. Eu senti o clima mudar e a tensão tomar conta do ambiente. Will era mais alto que Johnson e quando se aproximou, teve que curvar o rosto para poder encará-lo.
— Sai fora, Johnson!
De repente, as pessoas começaram a cochichar e a olharem para onde estávamos.
— Will... Por favor! — eu toquei em seu braço.
— Você não quer dançar comigo, Heloyse?
— Ela não é obrigada, O'Connor.
— Acho melhor eu ir. Eu não quero mais dançar.
— Quer ir um pouco lá fora? — Will segurou minha mão e com o dedo indicou a direção que ficava o pátio.
"Não segure a minha mão...", pensei após sentir um calor subir em meu corpo.
— Eu a levo, William.
Mas Will o impediu, quase o empurrando.
— Você está me deixando nervoso, Johnson. Sai fora antes que eu quebre sua cara.
Não deixei Johnson responder e o número de pessoas nos olhando foi aumentando. Eu precisava sair dali.
— Por favor, Johnson... Eu agradeço pela dança e obrigada pela preocupação, mas, acho melhor nos falarmos em outro momento.
Ele me olhou por alguns segundos e depois, encarou Will mais uma vez.
— Tudo bem, Lisy. E não se esqueça da nossa conversa. Tome cuidado — dizendo isso, Johnson se afastou.
Fui até a mesa em que estávamos e peguei minha bolsa. Passamos por uma grande porta próxima ao corredor dos banheiros. A porta dava para um pátio, onde algumas pessoas conversavam.
Nos aproximamos de um banco de pedra e nos sentamos. Não falamos nada. Os minutos foram passando e nenhum dos dois dizia algo, até ele quebrar o silêncio.
— De onde você veio, ninguém sente sua falta? — ele perguntou. — Amigos, parentes, seus pais...?
"Ah, Will... Eu não tenho mais ninguém."
Eu não queria nem um pouco conversar com ele. A cena do banheiro e a cena de minutos atrás, esgotaram minha vontade de ter um conversa civilizada.
— Não vai me responder?
— Reclamou tanto da minha curiosidade e olha só: Você está sendo um perfeito curioso.
Ele me ignorou.
— Você vivia sozinha?
Eu precisava sair de perto dele.
— Eu quero ir embora, Will, eu não estou bem.
— Olha pra mim, Heloyse. O que você tem? — perguntou visivelmente preocupado.
— Nada. Só dor de cabeça. Mas, creio que a saúde de uma prostituta não o interesse.
Ele suspirou fundo e me olhou por alguns segundos.
— Me desculpe por aquilo.
— Sim, sim! Vou esquecer isso e vou esquecer o show que você e Johnson deram. Fez com que eu me tornasse o centro das atenções. Todos ficaram observando enquanto os dois homens disputavam pelo serviço oferecido pela meretriz de vestido vulgar.
— Você já era o centro das atenções desde que chegou aqui, raio de sol.
Eu me levantei do banco e Will fez o mesmo.
— Não me chame assim! Sinto muito se o senhor não apreciou meu vestido. Mas quando o comprei, pensei apenas em me preocupar com minha opinião e não com a sua.
Quando me virei, avistei Thom e Cielo junto com um senhor, vindo em nossa direção.
— Vocês estão aí. Algumas pessoas estão comentando que houve um desentendimento entre o Johnson e o Will. O que houve? — Thom perguntou.
— Acho melhor eu ir para casa. Estou com dor de cabeça. Tenho certeza que o senhor O'Connor pode contar o que houve.
— O Johnson é um retardado. Isso já basta! — disse Will, enquanto colocava as mãos nos bolsos.
Eu revirei meus olhos.
Thom balançou a cabeça de forma negativa para Will, depois, me apresentou Simon White, pai de Patsy. E após as apresentações, o senhor White tentou me convencer a continuar ali.
— Teremos muitas outras atrações, Heloyse. Se você for agora, vai perder o melhor da festa.
Ele era baixinho, com uma barriga ampla, uma barba misturada com fios brancos que compensava a falta de cabelos na cabeça. Não era um homem que poderíamos chamar de "bonito", no entanto, era muito simpático.
— Eu agradeço e eu adorei conhecê-los. Sua fazenda é muito linda e tudo estava de muito bom gosto, mas, eu realmente gostaria de ir.
O senhor White compreendeu e educadamente, se retirou.
Thom pediu para que eu esperasse por eles.
— Thom, não quero acabar com a noite de vocês.
— Não irá, Lisy. Além do mais, você não parece bem. Deveria mesmo ir para casa e descansar — comentou Cielo.
Eu concordei com ela.
Will insistiu em me levar. Cielo e Thom saíram para a festa, na intenção de se despedirem de alguns convidados.
Eu implorei para Megan, que havia chegado há alguns minutos, conversar com eles e fazer com que continuassem na festa. Deixei Will parado próximo a ela e voltei para o banco, na intenção de esperar Megan retornar com a resposta deles.
Depois que todos saíram, ficou apenas Will e eu.
— E então? Vamos? — perguntou Will me oferecendo a mão.
— Não sei se você entendeu, mas eu vim com a caminhonete e preciso voltar com ela.
— Pedi para Megan levar sua caminhonete.
— E se eu não quiser?
— Ou você vai comigo, ou vai com os Ferrel. Eles não vão deixá-la ir sozinha. Acham que você não está bem. Além do mais, como ficará sua consciência, depois de saber que arruinou a noite deles?
Eu senti meu rosto queimar como se uma fornalha estivesse dentro de mim. A raiva que eu sentia por ele naquele momento, mexia com a minha imaginação. Imaginei dando-lhe vários tapas e puxões naqueles cabelos que pareciam ser tão macios. A vontade de cometer um assassinato veio com força total quando vi que ele sorria.
E de repente, após alguns segundos, vê-lo sorrir me quebrou. Ele tinha um sorriso tão diferente que eu não podia explicar. Quando sorria, parecia ser tão mais jovem. Como ele teria sido quando criança? Teria sido tão bonito?
Respirei fundo e resolvi aceitar calada. Peguei minha bolsa de mão, dei o primeiro passo e parei quando senti sua mão na minha.
Novamente, aquela sensação.
Como pode o toque de uma mão ser tão mais profundo que muitos outros gestos?
Passamos pelo salão e os casais se juntavam para a próxima musica que viria. A música Free Fallin   na voz de John Mayer  começou a tocar.
Will parou, segurou minhas mãos e as colocou em volta do seu pescoço. Depois, lentamente deslizou as suas na minha cintura e segundos após, suas mãos frias estavam sobre minhas costas nuas.
— O que está fazendo?
— Me deve uma dança.
— Eu posso muito bem soltá-lo e ir embora.
— Ou pode dançar comigo e provar que eu não te afeto — ele disse, colando os lábios no meu ouvido.
Não havia uma maldita maneira de responder. Não quando ele falava perto e com o corpo junto ao meu.
Dançamos quietos, apenas sentindo o corpo um do outro. A dança era lenta, fora do ritmo da música e em algum momento, eu estava com a cabeça apoiada nele de forma tão íntima, que pude ouvir seu coração.
Batia controladamente, enquanto o meu, parecia bater descompassado.
"Eu sou um cara mau", dizia a letra da música.
Ele levantou uma das mãos e acariciou o meu rosto. Os olhos pareciam querer olhar no fundo da minha alma. Ele estava com os lábios um pouco separados, como se quisesse falar alguma coisa, mas, ao invés de falar, ele me puxou para mais perto e me abraçou forte.
Não estávamos mais dançando... Estávamos apenas ali, parados e abraçados, como se dependêssemos disso.
Quando a música acabou, suas mãos me deixaram. Ele olhou em meus olhos e deu um pequeno sorriso.
— Vou leva-la para casa.
Eu balancei minha cabeça e observei como todos nos olhavam com suas expressões de questionamento.
Depois de um tempo, Will soltou minha mão e abriu a porta da caminhonete para que eu entrasse. Foi quando a voz de Patsy, chamou nossa atenção. Ela tinha um copo de vinho em uma das mãos e andava um pouco desalinhada.
— Vocês já vão?
— Vamos! — ele respondeu.
— Que pena. A noite nem acabou, William. Algumas mulheres querem dançar com você.
Era evidente a embriaguez em sua voz.
— Fica para próxima, Patsy. E se eu fosse você, iria com calma na bebida.
— Esse é o problema, William... Eu não sou você. Mas, eu posso ser quem você quiser. Como naquela noite.
Aquilo me embrulhou o estômago. Dei as costas para os dois e entrei na caminhonete. Will fechou a porta e se aproximou um pouco mais perto dela. Abri o vidro do carro para ouvir o que diziam.
— Já conversamos sobre isso.
— Já sim e eu sou teimosa, William. Eu nunca aceitei um "não". Você sabe!
Will ficou quieto por uns segundo e depois lhe deu as costas. Patsy jogou longe a taça com vinho e agarrou o braço dele, forçando-o a olhar para ela.
— Ela vai ser mais um brinquedo seu, porque no final das contas, é isso o que você faz com todas.
— Se você sabe disso, por que corre atrás de mim, Patsy? Você é quem se desvaloriza.
— Eu odeio você. Odeio a forma como me despreza.
— Eu nunca prometi nada a você. Eu já disse alguma palavra que a fizesse pensar que eu queria algo a mais?
Ela permaneceu calada, os olhos transbordando e o semblante baixo. Depois, levantou o rosto de forma desafiadora.
— E eu já disse alguma palavra que o fizesse pensar que vou deixá-lo em paz?
Will puxou seu braço, se distanciou e Patsy olhou pra mim, com os olhos cheios de lágrimas.
Ele entrou na caminhonete e não disse uma palavra sequer, até chegarmos à fazenda Ferrel. Ao chegar à frente do portão de madeira, eu não tive coragem de encará-lo. Coloquei a mão na porta para abri-la, mas, aquela voz me parou.
— Nem um beijo de boa noite?
Eu saltei da caminhonete. Bati a porta com tanta força, imaginando que fosse o rosto dele.
— Heloyse!
— O quê, senhor O'Connor?
— Você era a mais linda da festa. Eu adorei o jeito que o vestido ficou no seu corpo. Você ficou extremamente sexy e eu adorei.
"Filho da mãe, bipolar!"
Eu o odiei. Odiei tanto que saí quase correndo para não ter que ouvir mais a sua voz.
Lá dentro, eu pude ouvir o som da caminhonete de Will se afastando. Entrei no quarto, tirei meus sapatos, coloquei meu pijama e fui deitar.
"Eu sou um cara mau", dizia a música.
Depois de horas, adormeci pensando em Will. Em como ele era bonito.


Free Fallin: Escrita por Tom Petty e Jeff Lynne em 1989 e reproduzida em 2008 por John Mayer, que a deixou entre as 100 músicas mais tocadas nos EUA no mesmo ano.

John Mayer: Cantor, guitarrista, compositor e produtor musical norte-americano.

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