A Rainha das Chamas I

I (Lyanna) - Corra!

"É um vício viver às cegas
Procurando a alma
Que um dia brilhou
Pois sem ela
Não sei onde estou
Preciso a ver
Preciso a encontrar
Preciso viver
Voltar a amar.
— As Cinzas".

CAPÍTULO 1

LYANNA

Um evento fútil que existia somente para exaltar os deuses da sociedade. A Luta de Heróis era uma completa besteira e não existiam motivos que explicassem a animação de tantos quanto a um evento tão fútil e previsível.

Uma euforia sem limites contaminava as arquibancadas da arena de Honeyberg, tanta que me ocasionava o sentimento de que eu era uma intrusa naquele ambiente. Os gritos eram tão altos e terríveis que vibravam na superfície de minha pele, incomodando de uma maneira que me dava vontade de arrancá-la com as pontas das unhas.

Era odioso ver essa demonstração tão intimidante de poder. A luta que tantos adoravam assistir me soava como uma ameaça silenciosa, um recado de que os heróis eram muito superiores do que os demais e seus poderes poderiam acabar conosco caso ousássemos desobedecer a suas ordens. Se eu dissesse isso em voz alta muitos discordariam, como se preferissem vibrar com essa disputa do que aceitar a realidade.

Em meio a multidão eu era a única desanimada.

A maioria das pessoas alucinavam pelo dia em que teriam a sorte de conseguir um dos preciosos ingressos para assistir a esse show de horrores, mas esse não era o meu sonho. Somente graças a Rayssa, minha irmã, que eu me encontrava nesse lugar, mas me arrependia de tê-la deixado me convencer com a desculpa de que se esforçara tanto para obter as entradas tão caras.

A experiência se tornava ainda pior a cada segundo.

Mesmo debaixo da cobertura das arquibancadas, o sol do recém-chegado outono era escaldante. A temperatura em si não me afetava, mas o suor que escorria dos corpos daqueles ao meu redor possuía um odor semelhante ao de sete gambás, era tão forte que chegava a arder meu nariz.

Me impressionava muito o fato de que Rayssa, detendo tanta frescura com o suor de terceiros, mal se incomodava em estar naquele meio, uma novidade da qual não deveria me surpreender. Não pisávamos em uma arena como essa desde que nosso pai perdeu sua fortuna há dez anos.

Nossa realidade tornou um tanto difícil arranjar um bocado de dinheiro para qualquer tipo de entretenimento, ainda mais por conta das viagens que nosso pai realizava para tentar recuperar o que perdera, não deixando que sobrasse qualquer trocado para o restante da família. Todos os seus esforços não foram o suficiente e permanecemos na mesma situação durante todo esse tempo.

Eu sabia que minha irmã sentia falta dos luxos que podíamos obter naquela época, principalmente das visitas anuais à arena, sempre pegando os melhores lugares da área vip. Rayssa constantemente se lamentava por não poder ver seus amados heróis e eu até que detinha compaixão pela sua queixa, mas isso não era o suficiente para me impedir de ter o desejo de pular para fora daquele estádio, no segundo em que os gritos se tornaram ainda mais agudos, quando anunciaram que faltava apenas um minuto para que os heróis adentrassem no campo.

Cheguei a pensar que iria vomitar com a tontura que me atingiu por conta das vozes tão exorbitantes. Era muito barulho para os meus ouvidos. Não suportaria ficar no meio disso por mais tempo.

Me levantei e nem mesmo precisei avisar aonde iria quando minha irmã notou que eu estava saindo. Rayssa sabia que eu retornaria assim que a luta se findasse, um dos motivos de ela ter convidado justo a mim, não qualquer outro familiar nosso que teve de permanecer em casa para assistir a transmissão.