XXXV - A Um Fio de Partir

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"O peito desgraça
Saudade não passa
O calor que abraça
A dor que não passa
— As Cinzas".

CAPÍTULO 35

Alcançar a morte era a única coisa que me faltava. Se eu pudesse, a abraçaria com desespero, para que ela não pudesse fugir, porém ela apenas me rejeitava, preferia me roubar aqueles que eram tão queridos para mim. A morte não me levara, mas me destruíra por dentro. Não conseguia acreditar que eu era algum tipo de heroína tendo tanto poder e permitindo que tantos acabassem morrendo, inclusive aqueles que eu amava.

Se eu não conseguia salvar minha própria família, quem eu poderia manter a salvo?

A solidão me assolava, a tristeza me engolia cada vez mais, se tornando sufocante.

Estou com você. A voz suave de Ian pairou em meus pensamentos.

Nossos pés mal tocaram o memorial da OMH e eu queria fugir dali. Ian estava invisível a todos, menos a mim. Ele não podia falar, caso contrário outras pessoas reconheceriam sua voz, por esse motivo resolvemos manter a ligação entre nossas mentes, para que assim pudéssemos conversar livremente entre nossos pensamentos.

Suas palavras que me acariciavam a cada segundo, não deixando que o vazio tomasse conta de mim, não eram tão capazes de espantar minha solidão, talvez eu apenas quisesse me sentir só...

Eu não imaginei que seria tão difícil pisar neste lugar. Soltei aos seus pensamentos. Não consigo suportar ver todas essas pessoas sofrendo por culpa da minha incompetência. Observei o choro coletivo, sentindo a dor dos que sofriam pelos entes perdidos, isso era insuportável.

Estar nesse memorial, prestar homenagens a aqueles que eu não salvara chegava a embrulhar o estômago. Era estranho estar nesse lugar, eu nunca pisei nele e pensar que a primeira vez seria para enterrar minha família fazia com que lágrimas quisessem se ajuntar em meus olhos, mas pisquei rapidamente para afastá-las.

Eu não tinha caminhado nem mesmo dois metros no local e já o detestava. Ele era completamente feito de vidro, paredes, teto, chão. Tanta transparência me dava enjoo, mas isso era proposital, um dilema da OMH. A transparência da alma deveria ser celebrada do início ao fim, então as pessoas que morriam por culpa da organização eram enterradas no memorial para que suas almas permanecessem límpidas, não importava o lugar que fossem. Mal sabiam eles que a morte era o fim, o vazio e a escuridão.

Cinquenta e cinco caixões brancos, lacrados, estavam posicionados um ao lado do outro no centro do memorial, onde no chão se encontrava a logo da OMH. O nome de cada pessoa que eu deixara morrer foi colocado em uma placa de vidro, posicionada na superfície de cada caixão.

Cinquenta e cinco nomes dos quais eu nunca esqueceria, cinquenta e cinco mortes das quais eu me culparia para sempre.

Minhas pernas não queriam se mover, praticamente me encontrava na entrada, não havia dado mais de dez passos. O único que foi capaz de me fazer adentrar naquele local foi Ian ao entrelaçar nossos dedos e me arrastar consigo. Apenas o acompanhei para que a situação não se tornasse estranha aos olhos de quem observava.

Se você conseguir enfrentar essa situação, pode ter certeza de que no dia seguinte doerá menos. Ian soprou em meus pensamentos.

Andamos até os caixões de Caluna e meu pai, eles foram colocados um ao lado do outro, no meio dos cinquenta e cinco.

Ninguém da família tinha chegado, para a minha sorte, talvez. Eu não suportaria vê-los chorando, me culpando e com razão, afinal, meu pai e minha irmã morreram por minha causa, eles tinham esse direito.

A Rainha das Chamas IOnde histórias criam vida. Descubra agora