LXXXIX - Me Traga De Volta

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"Minha vida não tem sentido sem você...
— As Cinzas".

CAPÍTULO 89

A dor em meus dedos era como um analgésico relaxante. Essa dor tão invasiva me dava um grande alívio comparado ao vazio que inundava minha alma e me deixava desolada. Eu sabia que não deveria estar treinando tanto tendo saído do hospital há tão pouco tempo, mas eu queria isso, porque me sentia sozinha, abandonada no mundo, e a única companhia da qual eu tinha era a de um cara que fazia meu estômago se revirar e, ao mesmo tempo, era o remédio que o curava.

Isso estava me fazendo mal.

Horas se passaram desde que eu começara a golpear o saco. Era o meu primeiro dia na OMH depois da minha licença de quatro dias ter acabado. O tempo seria maior caso eu não tivesse implorado para que diminuíssem. Não conseguiria ficar de molho em casa enquanto meus pensamentos ameaçavam me destruir.

Se eu tivesse a quem recorrer, se Zac estivesse acordado, eu teria como desabafar.

O peso em minha consciência era muito grande para que eu o guardasse apenas para mim. Nem mesmo tinha certeza se queria que Ian pagasse pelos seus pecados em um verdadeiro inferno repleto de monstros que tinham a capacidade de arrancar a alma de seu corpo. Por mais que ele tivesse feito mal a minha família, não queria que ele pagasse por isso.

Será que ele realmente foi o culpado?

— Nervosa, Lyanna? — Parei meu golpe bem próximo a um centímetro do saco de pancadas quando a voz de Raphael alcançou os meus ouvidos.

Larguei as mão ao lado do corpo.

— Está tão evidente assim? — Perguntei ao apoiar as mãos no quadril.

— Os demais agentes deixaram o centro de treinamento pois estão com medo de você. — Sua resposta foi bem esclarecedora. — Além do mais... — Ele apontou o dedo para a pilha de materiais destruídos.

— A qualidade é baixa. — Me defendi.

Percebi que ele evitou revirar os olhos.

— Claro... — Concordou com a voz carregada de ironia.

Soltei um suspiro. Duvidava muito que ele me compreenderia caso eu dissesse que precisava descontar a raiva que estava sentindo em alguma coisa. Se duvidasse ele até mesmo questionaria o motivo dela, afinal nem eu sabia.

— Vamos, me diga, o que vem te incomodando?

— Respirar vem me incomodando. — Respondi ao cruzar os braços. Não era mentira. Todas as vezes que meus pulmões se moviam sentia como se arame farpado se enrolasse em minha traquéia, impedindo a passagem de ar.

— Sabe... — Raphael se sentou sobre a coisa macia mais próxima, um colchão suporte em formato retangular. — Depois daquela missão, comecei a sentir um vazio em meu peito... — Engoli seco com o que ele disse. — Sinto falta de algo ou alguém, mas não sei ao certo, nem compreendo... — Seu suspiro foi fraco, como se ele estivesse cansado desse sentimento. — Eu nunca me senti tão sozinho como nesses últimos meses...

O encarei por alguns instantes, tentando compreender um pouco mais desse vazio através dos seus olhos castanhos. Além disso, consegui ver uma grande profundidade neles e a face abatida, como um desespero gritando de sua alma.

— Sinto o mesmo... — Admiti ao me sentar no tatame. — Por que raios? — Perguntei com um ar indignado. — Não era para estarmos apreciando o gosto da vitória?

Sem saber o que dizer, Raphael sacudiu sua cabeça em negativa.

Encarei a pilha de sacos estourados enquanto refletia. Tanta raiva, tanta angústia, nenhum pingo de felicidade... nada estava certo.

A Rainha das Chamas IOnde histórias criam vida. Descubra agora