XLII - Nos Confins da Escuridão

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"Não só as minhas cartas à morte, mas, sem você, meu coração também está se transformando em cinzas.
— As Cinzas".

CAPÍTULO 42

A paisagem encantadora do Palácio da Magia alcançava meus olhos enquanto eu me alongava na varanda do quarto de Ian. Era uma pena que eu deixaria esse lugar em pouco tempo, mas estava pronta para partir, até mesmo trajava o uniforme da OMH, que se encontrava impecável após uma boa lavagem.

Jamais me esqueceria das aventuras que tive nesse local. Nos últimos dias pude conhecer cada canto do palácio. Mergulhei para ver os corais preservados nas proximidades do castelo, conheci as cavernas com minérios belíssimos, encontrei os animais que moravam nas redondezas, entrei nas masmorras do palácio, li alguns livros do mundo antigo e aproveitei o máximo de tempo que pude com Ian. Só faltava uma coisa a ser feita, mas ninguém pareceu muito disposto a me levar até a Guardiã da Luz. Uma pena. Eu não queria ir embora sem vê-la.

Ainda me alongando, ergui minha perna até a cabeça para renovar a elasticidade das minhas juntas. Sempre que eu fazia isso me lembrava das aulas de ballet que tive quando criança. Se eu não fugisse de tantas delas com Caluna, talvez as professoras tivessem percebido que meu corpo se adaptava facilmente aos exercícios, algo que acontecia com quem possuía certos tipos de poderes que davam ainda mais agilidade aos movimentos.

Essa história toda de nunca terem descoberto que eu possuía habilidades especiais poderia ter sido bem diferente se as pessoas que cuidaram de mim prestassem mais atenção no que eu fazia. Na realidade eu nunca fui uma criança normal, isso sempre estivera estampado na minha face. Meus familiares poderiam até ter me culpado por eu não ter contado, meu pai até poderia ter se enfurecido a ponto de largar suas coisas em Honeyberg e fugir para Mizurie, algo que culminou sua morte, mas a verdade era que isso não era culpa somente minha. Ele também foi negligente comigo, mas provavelmente os que sobraram não veriam isso. Eu teria que voltar para casa e enfrentar seus olhares acusadores, que me culpariam pela sua morte.

Troquei a perna e a deixei erguida durante alguns minutos. Ao baixá-la tentei alongar as costas, mas parei meus movimentos quando vi Ian, trajando as roupas que comumente usava lá fora — jeans, camisa preta, botas coturno e jaqueta de couro — caminhar até a entrada da varanda e parar próximo a parede, se apoiando nela.

Ele tinha acordado um pouco antes de eu começar a me exercitar, estava fazendo sua higiene no banheiro e chegou a demorar um pouco mais do que o normal, mas talvez essa fosse apenas uma pequena impressão minha. Com tantos pensamentos rondando a minha mente eu estava começando a ficar um pouco perdida no tempo.

— Pode continuar, estou apenas apreciando a vista magnífica. — Um sorriso belíssimo despontou de seus lábios quando essas palavras deixaram sua boca.

Sorri em resposta, me virando de costas e retornando a me exercitar. Nos últimos dias descabsei como um bebê enquanto ele esteve ao meu lado. Eu me sentia tão bem, era tão reconfortante. Ian chegava a dormir quase tanto quanto eu. Não sabia exatamente se ele era muito seguro de si ou se eu o trazia tanto conforto, mas seu sono, quando ele estava ao meu lado, era bem profundo, como se a tranquilidade dominasse seu ser. Era uma pena que isso tivesse que acabar.

Dobrei meu corpo para trás e coloquei as mãos no chão, ficando na mesma posição por alguns segundos ao alongar minhas costas.

— Preciso cumprir o que te prometi ao trazê-la aqui. — Ian disse quando me levantei. Me virei em sua direção com a sobrancelha erguida. — Vou te ensinar a fechar sua mente aos seus semelhantes.

Eu quase tinha me esquecido desse detalhe. Se eu saísse desse lugar sem fazer isso, Ian continuaria com aquela gracinha irritante de ficar respondendo meus pensamentos.

A Rainha das Chamas IOnde histórias criam vida. Descubra agora