4. A vez em que uma loba dourada compareceu a um julgamento

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Após mais uma noite mal dormida, eu e Ian estávamos de novo na estrada, rumo à escola. E, por mais que tentássemos nos manter calmos naquele momento, a SUV preta que nos seguia na estrada não nos deixava esquecer que, de uma hora para a outra, havíamos sido alçados à categoria de possíveis criminosos, e que ser constantemente vigiados seria agora nossa nova realidade.

Ao chegar no Colégio Alvorada, fiz o possível para seguir minha rotina de todos os dias, mas a impressão que eu tinha era a de que não importava para onde eu fosse, sempre encontraria dezenas de olhares acusatórios, me monitorando, como se todos ali soubessem das atrocidades das quais eu havia sido injustamente acusada. Para piorar a situação, ainda estávamos na semana de provas, então eu nem sequer poderia conversar com Davi e Inara durante a aula, precisando lidar com aqueles sentimentos angustiantes sozinha.

Tentei deixar a preocupação de lado e me concentrei em meus exames o melhor que pude. No entanto, graças ao meu nervosismo, acabei levando um tempo muito maior do que o usual e, quando terminei, percebi que a sala já estava quase vazia e não havia nem sinal dos meus amigos. Segui até o refeitório para almoçar e estranhei também não encontrar nenhum rosto conhecido por ali. Provavelmente eles já deviam ter comido e Davi certamente estaria agora acalmando Ian em algum lugar mais reservado. Pensando nessa possibilidade, achei melhor dar a eles um pouco de espaço e decidi procurar por Inara, uma vez que já tinha uma boa ideia de onde poderia encontrá-la.

Em menos de cinco minutos eu já havia chegado à biblioteca da escola, me dirigindo em seguida às cabines de leitura individuais, onde Inara costumava ficar. Como eu havia previsto, logo pude reconhecer os cabelos pretos de minha amiga, debruçada sobre uma pilha de livros. Toquei no ombro dela e a chamei pelo nome, baixinho, para não incomodar os demais estudantes. Para minha surpresa, Inara deu um pulo na cadeira, se assustando com a minha chegada, e rapidamente passou as mãos sobre o rosto. Só então eu percebi que ela estivera chorando segundos antes e, agora, estava disfarçando as lágrimas que ainda permaneciam em seus olhos, a denunciando. Minha loba imediatamente ficou em estado de alerta ao presenciar aquilo.

— Ei, me desculpa, não queria te assustar... — eu disse, em voz baixa. — Amiga, tá tudo bem?

— Sim, sim, não se preocupe — ela respondeu, disfarçando o seu estado. — Apenas fiquei emocionada com algumas coisas que li nesses livros...

Por mais estranho que aquilo pudesse parecer, ela não estava mentindo, pelo menos não de acordo com a minha loba. Mesmo assim, algo naquela explicação ainda não me convencia.

— Esses livros são sobre o quê? — perguntei, intrigada.

— Eles relatam as tradições de diversas tribos indígenas ao redor do mundo... — ela revelou. — Estou lendo e fazendo um comparativo com os costumes do meu povo. Talvez aproveite alguma coisa daqui para aquele trabalho de ciências sociais que o professor nos passou...

Quando eu ia fazer mais perguntas, fomos repreendidas pela bibliotecária, que pediu para ficarmos em silêncio ou ir conversar em outro lugar. Inara aproveitou a deixa, reuniu suas coisas e se dirigiu à saída, me chamando para acompanha-la.

— Tá tudo certo lá na fazenda? — ela quis saber, assim que deixamos a biblioteca. Aproveitei que ela havia tocado naquele assunto e comecei a desabafar sobre tudo o que havia acontecido desde a chegada dos membros da Caçada Voraz. Inara me ouvia de olhos arregalados e, mais uma vez, demonstrou seu apoio e disse que faria o possível para nos defender em seu depoimento. Porém, em meu íntimo, eu já não tinha mais tanta certeza de que apenas aqueles testemunhos das minhas amigas do Clube da Lua seriam o bastante para reverter a situação a nosso favor, infelizmente.


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O Clube da Lua e o Devorador de Sonhos (Livro 2 ✓)Onde histórias criam vida. Descubra agora