32. A vez em que um jovem órfão realizou uma viagem astral

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Aquele dia havia começado bem cedo. Acordei antes mesmo do sol nascer, tomei um café da manhã rápido e logo segui em direção à aldeia. Chegando lá, encontrei o Pajé à minha espera e logo ele me conduziu à Oca maior, o mesmo lugar onde eu havia participado de um ritual de selamento, meses atrás. Ao adentrar a construção, imediatamente enxerguei o corpo de Inara sobre um altar, com um espaço vazio ao lado dela, que eu deduzi estar reservado para mim.

— Preciso que você tire suas roupas e tome um banho com esse preparado de ervas — instruiu o pai de minha amiga.

Fiz tal qual ele pedira e retornei ao altar com apenas um toalha enrolada ao redor da minha cintura. Em seguida, com a ajuda do Pajé, deitei-me sobre a plataforma de pedra, ao lado de Inara, e aguardei enquanto ele desenhava alguns símbolos de proteção sobre minha pele. Após isso, o líder da aldeia indígena começou a entoar preces em uma língua desconhecida, ao mesmo tempo em que trançava alguns fios, semelhantes a cipós finos, unindo minha mão à mão de minha amiga.

— Agora, feche os olhos — instruiu o Pajé. — Tente fazer com a minha filha a mesma coisa que você fez com aquele seu familiar, para enxergar pelos olhos dele.

Apenas assenti e fiz como ele indicou. Logo concentrei a energia do cernuno no meu peito e passei a visualizá-la se deslocando pelo meu corpo e chegando até Inara, por meio do meu braço que estava unido ao dela. Quando senti que estava pronto, comecei a sussurrar o mesmo encantamento de antes, mas, agora, improvisando algumas alterações no texto conforme as palavras saíam da minha boca.

— Amigos de alma partilham mais que memórias. Confio-me a ti, para que mostres a mim. Tuas janelas abertas, revelando um mundo que eu não vejo. Fenestram aperirem.

Eu sabia que havia grandes chances de aquilo tudo não funcionar, então fiquei surpreso ao perceber que alguma coisa definitivamente estava acontecendo, já que havia muita energia mágica se movimentando ao nosso redor. Antes que eu pudesse entender o que se passava, no entanto, senti minha consciência sendo puxada violentamente para dentro de um espaço escuro, quase como se alguém tivesse fisgado minha mente com um anzol e a tivesse tirado de dentro de um rio de uma só vez.

Observei o espaço ao meu redor e olhei para mim mesmo, verificando que eu ainda mantinha meu corpo físico, apesar de não fazer ideia de onde eu estava. Continuei caminhando pelo espaço escuro até perceber uma movimentação mais adiante. Corri até lá e me desesperei com a visão macabra que me aguardava. Presa numa espécie de totem, estava Inara, com o corpo coberto de serpentes, que rastejavam e se enrolavam sobre ela, impedindo que minha amiga se movimentasse. Tentei chegar até ela, mas entre mim e minha amiga havia um precipício que eu não seria capaz de transpor, mesmo se fizesse uso de todas as minhas forças para saltar sobre ele.

— Inara!!! — eu gritei, tentando chamar a atenção dela. — Eu vim até aqui, como você pediu!

Minha amiga virou o rosto em minha direção e deu um sorriso triste quando me reconheceu.

— Temos pouco tempo — ela declarou, com uma voz enfraquecida. — Essa coisa não deixa as pessoas acordarem! Ela está se alimentando de pesadelos e ficando cada vez mais forte, e estará pronta pra engolir a lua muito em breve!

Eu não insisti, ainda que não tivesse entendido completamente o que ela estava tentando dizer. Tinha que conseguir o máximo de informações possível, antes que a nossa conexão fosse interrompida.

— Como a gente derrota esse monstro? — perguntei, ansioso.

— Com uma arma sagrada, meu pai sabe como forjar — revelou Inara. — Precisa ser um arco e flecha, necessariamente. Só teremos uma única chance, ele precisa ser utilizado no momento correto. Um passo em falso e tudo estará perdido!

O Clube da Lua e o Devorador de Sonhos (Livro 2 ✓)Onde histórias criam vida. Descubra agora