48. A vez em que um jovem órfão executou um feitiço divino

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A ansiedade que me consumia era imensurável. Eu ainda estava profundamente abalado depois de assistir Fred se sacrificar voluntariamente ao Devorador de Sonhos, sem poder fazer nada para impedir; mas, naquele momento, aquilo era, sem dúvidas, a menor das minhas preocupações. Eu tinha consciência de que o sucesso da nossa operação dependia, em grande parte, do feitiço de selamento que eu ficara responsável por executar. O que me preocupava, porém, era saber que eu só poderia começar o encantamento após receber um sinal dos deuses, confirmando que minha prece fora ouvida e eu tinha sido autorizado para tal.

Ao fazer o meu pedido, pensei muito em minha mãe e em tudo o que ela fizera para me proteger. Todos os atos e consequências que, de uma maneira ou de outra, acabaram me conduzindo até o presente momento. Havia um propósito para eu ter chegado até ali, não havia? Transformado em um cernuno, com um familiar enrolado em meu braço, um grimório aberto diante de mim e uma infinidade de vidas dependendo do meu socorro. Aquela era minha missão, não era? Pelo menos era naquilo que eu preferia acreditar; e eu torcia fervorosamente para que os deuses tivessem a mesma opinião que eu.

Para meu alívio, tão logo fiz a minha prece de apresentação, vi um raio cair dos céus e consumir uma das tochas próximas a mim, na lateral do altar. Aquilo significava que resposta fora dada e eu tinha sido aceito. Ser autorizado era a primeira vitória da noite, mas a parte mais complicada ainda sequer tinha começado.

Perennis Requiem! — declamei, dando início a evocação.

O Perennis Requiem, considerado um feitiço divino de purificação e selamento, consistia em criar um campo de força evocando os cinco tipos de magia, que se materializariam na forma de colunas, ao redor do inimigo, como uma estrela de cinco pontas, e o impediriam de deixar aquele espaço delimitado. Após imobilizar o meu alvo, vinha a segunda etapa, que era purifica-lo usando os poderes do cernuno, com um segundo encantamento. Quando a purificação fosse concluída com sucesso, por fim, vinha a fase final do ritual: o selamento, que era quando utilizaríamos a arma sagrada para destruir a forma física de Bakunawa e aprisionar o seu espírito.

— Ele apareceu!!! — ouvi Ian gritar, instantes depois de eu ter iniciado o feitiço, levando minha atenção de volta ao centro da arena. Lá, o Devorador de Sonhos tinha acabado de emergir do subsolo e, agora, se dedicava a atacar lobos e panteras. Os metamorfos de Esmeraldina sabiam que teriam muita dificuldade em dominar uma cobra gigante enquanto estivessem em sua forma animal, mas, com a ajuda dos vampiros, tinham bolado um plano, que consistia em utilizar cabos de aço com ganchos nas extremidades, que poderiam ser carregados facilmente em suas bocas e serviriam para imobilizar e prender Bakunawa junto ao solo. Naquele momento, todos eles estavam concentrados naquilo, saltando sobre a serpente e trançando os cabos de um lado para o outro na arena, de forma coordenada, com os vampiros ajudando na fixação dos ganchos no chão e nas paredes das laterais do fosso.

— Acorda pra vida, garoto! — Poliana gritou, atrás de mim, chamando minha atenção. — Vai enrolar até quando pra fazer esse feitiço??

A reprimenda da ruiva me fez lembrar do que eu ainda precisava fazer; por isso, me concentrei mais uma vez no grimório aberto diante de mim, declamando a estrofe seguinte do encantamento.

— "Carrego sobre mim a força anual de destruição em massa, em nome d'Aquela que faz com que a terra renasça! Aponto aos teus olhos a grande fonte de confusão, semeadora da decadência, culpada por toda podridão e desgraça. E, em meu voo de despedida subo aos céus, perene, eterno, conjurando sobre ela a força anual de destruição em massa! Internitionem"!

Assim que a primeira estrofe foi concluída, senti a energia do cernuno irradiar do meu corpo e se espalhar por sobre a superfície da arena, dissipando a neblina e preparando aquele terreno para a invocação dos cinco pilares necessários para a conclusão do feitiço. Inspirei fundo, foquei meu olhar nas páginas do livro aberto diante de mim e segui adiante, lendo o próximo trecho.

O Clube da Lua e o Devorador de Sonhos (Livro 2 ✓)Onde histórias criam vida. Descubra agora