22. A vez em que um jovem órfão recebeu um comunicado da realeza

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— Parabéns, você passou no exame — informou o instrutor sentado ao meu lado, no banco do passageiro, sem empolgação nenhuma. — Quando sua carteira provisória estiver pronta, a gente te liga e você vem buscar.

Apenas agradeci e desci do veículo. Morar em uma cidade do interior também tinha algumas vantagens, eu precisava admitir. Tinha aproveitado a semana em que o colégio ficara fechado para fazer um intensivo das aulas teóricas obrigatórias no departamento de trânsito de Esmeraldina, sendo aprovado logo em seguida. Quando mencionei que já sabia dirigir, me perguntaram se não queria arriscar fazer a prova prática logo de uma vez, o que prontamente aceitei. E foi assim que consegui minha carteira de motorista em tempo recorde, após conduzir um veículo caindo aos pedaços por alguns minutos, numa pista de treino improvisada, em um estacionamento abandonado. Aquilo nunca teria acontecido se eu ainda morasse na capital, eu tinha absoluta certeza, mas é claro que não seria eu quem iria reclamar.

Assinei os últimos documentos que faltavam para a emissão da carteira e me dirigi à saída do departamento de trânsito. Ele ficava um pouco mais afastado do centro da cidade, então seria necessário chamar um veículo para voltar para casa. Estava com meu telefone na mão, pronto para ligar para um dos pontos de táxi próximos à pousada, quando o som de uma buzina atraiu minha atenção. Levantei os olhos e logo vi um carro encostar ao meu lado.

— Oi moço, eu sou novo por aqui, tava precisando de um guia pra me levar pra cidade, será que você pode me ajudar?

Apenas revirei os olhos quando percebi quem era o motorista.

— Você nunca vai desistir dessas piadinhas sem graça, né? — perguntei, entediado.

— Não enquanto elas continuarem arrancando essas suas caretas adoráveis — Fred respondeu, se divertindo. — Precisa de carona? Entra aí, tô voltando pra casa.

Olhei para o céu, vi aquele sol escaldante e ponderei o tempo que o taxista demoraria para chegar até ali, sem contar no dinheiro que eu gastaria ao final da viagem. "É apenas uma carona", pensei comigo, antes de me dar por vencido e entrar no carro de Fred.

— O que você tava fazendo sozinho aqui, no meio do nada? — meu colega quis saber.

— Acabei de fazer a prova de direção — revelei, apontando para o prédio do departamento de trânsito.

— Nossa, você já é maior de idade?? — ele comentou, impressionado.  — Tem a maior cara de novinho... 

— Pois é, sou sim, mas essa é uma longa história. E você, tá fazendo o que por essas bandas? — perguntei, mudando de assunto propositalmente. Poucas pessoas em Esmeraldina sabiam sobre minha família e, caso eu decidisse explicar porque havia sido emancipado, teria que inevitavelmente tocar no assunto da herança, algo que eu não estava disposto a fazer, não com alguém que eu conhecia há tão pouco tempo. 

— Fui levar uns turistas no aeroporto, agora tô voltando pra agência — Fred explicou.

— Achei que você só trabalhava como guia... — mencionei, surpreso.

— Sou praticamente um faz-tudo, Davizinho. Inclusive, quando precisar de um marido de aluguel, só me chamar — ele brincou. — Mas, falando sério, na verdade eu tô pegando apenas as funções que eles me consideram "apto" a realizar. A galera ainda não tá completamente segura com a minha condição... — ele completou, em um tom aborrecido.

— Condição? — indaguei, sem entender exatamente do que ele estava falando.

— A prótese — ele respondeu sem rodeios, apontando para uma das pernas. Só então olhei para baixo e percebi que ele estava de bermuda, permitindo que eu visse o resultado de seu acidente pela primeira vez.

O Clube da Lua e o Devorador de Sonhos (Livro 2 ✓)Onde histórias criam vida. Descubra agora