31. A vez em que uma loba dourada revelou suas suspeitas

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Quando recebi o telefonema do Pajé, mal pude acreditar nas palavras que ele me disse. Pelo que entendi, Inara havia conseguido despertar brevemente do coma e, nesses poucos instantes de consciência, havia chamado pelo nome de uma pessoa, especificamente: Davi. Antes de me dirigir para lá, não perdi tempo e entrei em contato com meu amigo, pedindo para que ele também fosse até a aldeia o quanto antes. Inara não teria requisitado a presença dele se não fosse algo extremamente urgente, eu tinha certeza.

Assim que me aproximei da casa da minha amiga, momentos depois, notei que Davi já estava lá, do lado de fora, conversando com o Pajé.

— Como você chegou aqui tão rápido, cabelo de maionese? — foi a primeira coisa que eu quis saber, confusa com a presença dele ali em tão pouco tempo. Eu tinha chegado a oferecer carona, mas ele apenas dissera que não era necessário. 

— Eu tenho um carro agora — explicou ele, satisfeito, apontando para um jipe que estava estacionado mais adiante. Só então me lembrei que Davi tinha mesmo comentado sobre ser emancipado e tirar a carteira de motorista, dias atrás.

— Agora que vocês estão aqui, podemos ir até à Oca Maior? — interrompeu o Pajé, impaciente.

Apenas assentimos e o seguimos enquanto ele nos conduzia pela aldeia. Chegando no local indicado, percebi que Inara continuava da mesma forma que estava da última vez em que eu a havia visto, deitada em uma espécie de altar de pedra e com o corpo rodeado de ervas e flores.

— Como tudo aconteceu? — perguntei ao pai dela, curiosa.

— Estávamos no meio dos rituais de banimento e proteção que fazemos sobre o corpo dela todos os dias — ele explicou. — De repente, minha filha apenas abriu os olhos e se sentou. Tentei conversar com ela durante alguns instantes, mas ela não respondia, parecia ainda estar em algum tipo de transe. Eu estava prestes a ir chamar ajuda médica, quando Inara finalmente falou comigo...

— E o que ela disse? — quis saber Davi, ansioso.

— Eu não lembro as palavras exatas, mas ela falou que estava presa num sonho e não conseguia acordar — revelou o Pajé. — Disse também que era pra chamar o Davi, porque ele saberia o que fazer. Depois disso, ela desmaiou novamente e não deu mais sinais de vida...

— Você tem alguma ideia do motivo dela ter te chamado, amigo? — perguntei ao garoto ao meu lado.

— Nem imagino, infelizmente — ele admitiu. — Será que tem alguma coisa a ver com meus poderes de cernuno?

— É uma possibilidade — admitiu o Pajé. — Você tem feito uso deles recentemente?

— Sim, venho treinando com a ajuda do grimório da minha mãe — Davi explicou. — Já consigo controlar a transformação e também realizar alguns feitiços mais simples... Ah, e também fui capaz de conjurar meu próprio familiar! — completou ele.

— Familiar? Como assim? — quis saber o Pajé, interessado.

— Essa coisinha aqui — Davi mostrou, erguendo a camiseta e exibindo a cintura, onde Órion estava enrolado, imóvel, como se fosse um cinto. Assim que notou estar exposto, a cobra se desenrolou e desceu até o colo do meu amigo, sem se importar que a víssemos.

— Você fez um enorme progresso desde a última vez em que nos encontramos, garoto — comentou o Pajé, impressionado. — Esses feitiços que você aprendeu... Existe algum que você acha que possa ser útil para resolver a situação da minha filha?

— Não exatamente... — respondeu meu amigo, envergonhado. — Um deles serviu apenas pra esconder os chifres de cernuno e o outro me permitiu enxergar pelos olhos do meu familiar e observar lugares que seriam inacessíveis para mim...

O Clube da Lua e o Devorador de Sonhos (Livro 2 ✓)Onde histórias criam vida. Descubra agora