11. A vez em que um jovem órfão foi atraído por uma força desconhecida

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A ansiedade me consumia por dentro e cá estava eu, outra vez, encarando minha imagem, refletida à minha frente, estática. A sala de estar da casa de Bárbara era bem iluminada e tinha um grande espelho oval em uma das paredes, e fora de frente para ele que eu decidira me sentar, encarando a versão mais recente de mim mesmo, enquanto aguardava por notícias. Naquele momento, todos os meus amigos estavam reunidos na fazenda, enquanto Ian e Maia eram julgados por um conselho de lobos poderosos, que havia vindo para Esmeraldina especialmente para aquela ocasião.

Como eu gostaria de estar lá e defender todos os nossos atos pessoalmente, ao lado deles! Por mais que a decisão de não comparecer ao julgamento fosse de fato a mais acertada, eu ainda não me conformava por não poder ficar junto de Ian justamente quando ele mais precisava do meu apoio. Porém, já estava feito. Restava agora aguardar e torcer para que a carta que eu enviara como testemunho fosse suficiente e que tudo acabasse bem.

Tentando afastar aquele sentimento de impotência, voltei a me concentrar no meu reflexo e a observar os traços do meu rosto. Meus cabelos tinham crescido bastante, com as raízes escuras denunciando a necessidade de serem retocadas com urgência. Minha franja, por sua vez, já estava grande a ponto de cobrir completamente as marcas dos meus chifres de cernuno. Sim, os calombos no local por onde eles atravessaram minha fronte nunca chegaram a desaparecer; pelo contrário: era como se eu tivesse sempre dois grandes galos causados por pancadas nas duas extremidades da minha testa.

Na maior parte do tempo, aquelas protuberâncias permaneciam fechadas e indolores, para o meu alívio. Entretanto, sempre que eu passava por situações de grande emoção, era comum ver as pontinhas dos chifres romperem aquele abrigo de pele e surgirem, afiadas, provocantes, quase como se tivessem vida própria e quisessem explorar o mundo exterior. Bastava eu me sentir assustado, como quando assistia algum filme de terror, por exemplo, ou então muito empolgado, como quando... ahn... Bem, como quando eu e Ian ficávamos sozinhos num quarto, é só o que preciso dizer.

Tirei a franja do caminho e tornei a observar as marcas mais atentamente. Com as pontas dos dedos, toquei a pele daquele local e notei que a região ainda estava um pouco sensível, mas apenas isso, e já fazia um bom tempo que eu não sentia as terríveis dores de cabeça que me acometeram nos dias seguintes à minha hospitalização, que foram um dos pontos mais complicados enquanto eu me recuperava.

Estava distraído, fazendo essa inspeção casual em minha testa, quando, repentinamente, senti uma intensa descarga de energia atravessar meu corpo, me deixando completamente arrepiado e me colocando em um estado de alerta total. Um pequeno zumbido se fez notável no fundo dos meus ouvidos e, rapidamente, meus batimentos cardíacos aumentaram de ritmo, quase como se todo meu organismo soubesse que algo estava prestes a acontecer. E então, segundos depois, quando eu já estava começando a acreditar que tudo não passava de um mau pressentimento sem importância, fui pego de surpresa pela reação agressiva do meu corpo. Sem aviso algum, meus chifres brotaram com força, de uma só vez, rasgando minha pele e me fazendo abafar com as mãos um grito de dor.

Caí de joelhos no carpete da sala e, assim que o desconforto maior passou, reparei, com a ajuda do espelho, que havia pelos menos uns quinze centímetros de chifres expostos simetricamente, nos dois lados da minha fronte; aquele, inclusive, era o maior tamanho que eles já haviam alcançado desde que eu havia deixado o hospital após o episódio no acampamento. O que eu não entendia, porém, era o que tinha motivado aquele desabrochar repentino; sim, admito que eu estava ansioso para saber o que se passava na fazenda, mas, ainda assim, não acreditava que aquele sentimento era forte o suficiente para explicar a estranha sensação que eu sentira segundos antes dos chifres surgirem. Foi aí que cheguei à conclusão de que alguma coisa ruim deveria estar acontecendo. Meus poderes terem se manifestado com tamanha intensidade só podia ser uma prova disso.

O Clube da Lua e o Devorador de Sonhos (Livro 2 ✓)Onde histórias criam vida. Descubra agora