50. A vez em que um jovem órfão invocou um guerreiro lendário

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Faltava bem pouco agora. Eu mal podia acreditar que tinha mesmo conseguido passar por duas das três etapas do Perennis Requiem com sucesso. Sim, a ajuda dos bruxos tinha sido fundamental e muitas vidas de lobos e panteras haviam sido perdidas ao longo daquele processo, mas eu procurava não pensar nisso por enquanto. Não quando ainda havia trabalho a ser feito.

O Devorador de Sonhos continuava investindo insistentemente contra o escudo de energia que isolava o altar, com a clara intenção de destruí-lo e chegar até nós. Meus poderes de cernuno já me alertavam que não demoraria muito até a barreira ser rompida; o problema é que eu praticamente não tinha mais energias para reforça-la. Eu tinha um plano, há muito tempo arquitetado, exatamente para quando aquele momento chegasse, mas eu só não contava que estaríamos numa situação tão desfavorável assim. Eu precisava apenas de mais alguns minutos para dar minha cartada final, mas não havia ninguém mais por perto a quem eu pudesse recorrer, para o meu desespero. A não ser que eu pedisse novamente a ajuda de um velho conhecido meu... Podia funcionar, não podia? Naquela situação, não custava nada tentar...

— Espíritos superiores, se estiverem me ouvindo, o escolhido por Anhangá clama por sua ajuda mais uma vez — implorei, com os braços estendidos ao céu. — Emprestem-me um pouco de seus poderes, para que eu possa colocar um fim a esse mal, por favor...

Tão logo eu terminei de dizer aquilo, um raio caiu com violência sobre a cabeça de Bakunawa, fazendo com que a serpente se afastasse do altar rumo ao centro da arena, atordoada. Logo Anhangá surgiu diante de nós, em toda sua imponência e majestade, revestido de magia branca e luminosa. O cervo se posicionou bem em frente ao escudo dos bruxos, encarando o Devorador de Sonhos, pronto para nos defender caso a criatura tentasse uma nova investida.

— Você já pode começar a terceira parte — indicou Eleonora, ao meu lado, com delicadeza.

— Ainda não — respondi, surpreendendo a todos. — Tem algo que eu preciso fazer antes disso. E Anhangá vai garantir que eu tenha tempo suficiente.

Aproximei-me de onde estava a arma sagrada, um arco revestido com o couro de Bakunawa, e o tomei em minhas mãos. Depois disso, me aproximei do corpo desacordado de Inara e coloquei o arco sobre o peito dela.

— O que você pensa que está fazendo, garoto? — o Pajé me perguntou, irritado.

— Apenas atendendo a vontade do coração da Inara, que ela confiou a mim quando estávamos juntos, no mundo dos sonhos — respondi. — Os espíritos superiores já atenderam ao chamado dela e já a aceitaram nessa posição. Não há mais nada a ser feito a respeito disso e você sabe muito bem — fiz questão de reforçar, incisivamente.

— Mas a minha filha é uma mulher... — o Pajé argumentou, relutante. — Isso não faz sentido algum...

— Se nem os deuses se opuseram, por que você tá criando tanta dificuldade? — questionei. — Isso é uma vontade da própria Inara, é o que fará ela verdadeiramente feliz... Chegou a hora de entender que ela já é capaz de tomar as próprias decisões sozinha...

— Eu sei, mas é que ela é a minha única filhinha, minha menina e... Talvez eu tenha mesmo projetado minhas expectativas sobre ela... — lamentou-se o pai de Inara. — Talvez eu devesse ter ouvido com mais atenção o que ela tinha a me dizer...

— Precisamos apenas sair vivos daqui e vocês terão todo o tempo do mundo pra conversar sobre isso e sobre muitas outras coisas — o tranquilizei. — Você me autoriza a continuar?

— Sim — ele confirmou, com os olhos cheios de lágrimas. — Faça o que for preciso, garoto. Faça a vontade da minha Inara, por favor.

Apenas assenti e passei a concentrar o pouco de energia que ainda me restava sobre o arco e sobre o corpo de Inara. Assim que me senti perfeitamente conectado a eles, iniciei uma nova prece, uma que não fazia parte do Perennis Requiem, mas que eu havia preparado mesmo assim, com a ajuda da minha amiga.

O Clube da Lua e o Devorador de Sonhos (Livro 2 ✓)Onde histórias criam vida. Descubra agora