6. A vez em que uma loba dourada foi surpreendida pelas reviravoltas do destino

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Os lobos nas arquibancadas se entreolhavam confusos, esperando pela tão comentada testemunha, o garoto-cernuno, que teve seu nome anunciado.

— Onde está ele? — Hector perguntou ao meu pai, com uma expressão séria, após se dar conta de que Davi ainda não havia aparecido.

— A última vez que tive notícias, ele estava a caminho... — o líder da nossa alcateia respondeu, confuso.

— Ele não vem ao julgamento — uma voz disse, em meio à plateia. Virei-me rapidamente e me dei conta de que era Bárbara quem havia falado aquilo, agora de pé em meio aos lobos.

— Como assim não vem? — Hector perguntou, visivelmente irritado. — Achei que ele havia concordado em comparecer, ele é peça-chave nessa investigação!

— Houve uma mudança nos planos — Bárbara respondeu com um sorriso, sem se abalar. — Mas ele me pediu para que eu avisasse vocês.

Lavínia avançou até onde Bárbara estava, furiosa.

— Onde esse garoto se enfiou? — ela exigiu saber. — Me diga que mandaremos um grupo de lobos busca-lo imediatamente!

— Ele está na minha casa, no território das panteras — Bárbara revelou. — Boa sorte ao tentar tirá-lo de lá. Com certeza vão precisar.

A menção ao nome das panteras fez o burburinho retornar entre a audiência, enquanto os membros do conselho se reuniam e conversavam entre si. Depois de alguns minutos, Hector finalmente tornou a falar.

— O depoimento de Davi é fundamental para a conclusão desse julgamento. Não poderemos continuar enquanto ele não aparecer para dar o seu testemunho.

— Não se preocupem com isso — Bárbara disse, mexendo no interior da sua bolsa. — Ele preparou o depoimento dele e o enviou por escrito, em forma de carta. Está aqui comigo.

Lavínia pegou a carta das mãos de Bárbara e a entregou a Hector, que abriu o envelope e observou brevemente o conteúdo.

— Conrado, você faz as honras? — Hector perguntou, levemente irritado. — Pelo menos assim você participa desse julgamento de alguma forma, já que ainda não colaborou em nada!

Olhei para Conrado, o terceiro membro do conselho, que estava compenetrado jogando alguma coisa em um videogame portátil que ele carregava consigo para todos os lugares. O garoto bocejou, coçou os olhos, deixou o videogame sobre a mesa e foi para a poltrona das testemunhas, sem se importar com o puxão de orelha recebido do Grande Lobo ou responder uma palavra sequer. Assim que chegou ali, pegou a carta de Davi e começou a ler em voz alta.

— "Prezados lobos de Esmeraldina e membros da Caçada Voraz, aqui quem fala é o humano-híbrido Davi, filho de Laís e Daniel, sobrinho de Laura, herdeiro do sangue do cernuno e escolhido por Anhangá. Lamento precisar recorrer a este último recurso, mas não me senti confortável para comparecer ao julgamento de Ian e Maia, já que temia por minha segurança. Como vocês bem sabem, desde que minha descendência foi descoberta, fui atacado e humilhado pela líder da alcateia de Esmeraldina, Helena, sendo inclusive insultado por conta da minha orientação sexual e por manter um relacionamento com o seu filho mais novo, Ian. O filho mais velho dela, Benjamin, chegou a mencionar, ainda, a intenção de selar os meus poderes, contra a minha vontade. Entendo a preocupação dos lobos em relação às minhas potencialidades mágicas, mas julgo ser necessário esclarecer algumas coisas agora, antes que outros mal-entendidos como esse possam vir a acontecer. Eu não sou um lobo. Eu sou um cernuno. Eu não pertenço à espécie de vocês, nem possuo a marca dos lobos, portanto, não tenho nenhuma obrigação de me submeter às suas leis ou ao seu julgamento. Até onde fui informado, Esmeraldina é um território livre, e os lobos não são os donos da cidade, nem têm o direito de decidir quem pode ou não viver aqui, ou quem é ou não uma ameaça. Dito isso, declaro que não tenho nenhuma intenção de atentar contra o bem-estar dos lobos, contra o Véu ou contra qualquer outra criatura que aqui viva. Estou estudando e me aperfeiçoando no conhecimento dos meus poderes e, caso algum dia eu perceba que eles de fato representam uma ameaça, farei questão eu mesmo de abandonar a cidade o quanto antes, minimizando assim possíveis danos. Dito isso, reforço que, apesar de não ter nenhuma desavença com a alcateia de Esmeraldina, também não tenho, ao mesmo tempo, nenhum interesse de me associar com essa organização, ou com a Caçada Voraz, agora ou num futuro próximo. Os únicos laços que me aproximam dos lobos são os afetivos, por meio do meu relacionamento com o lobo Ian e da minha amizade com a loba Maia, e nada mais para além disso. Peço por favor que respeitem minha liberdade de ir e vir e não mais me procurem ou me envolvam nas disputas e nos assuntos que dizem respeito exclusivamente aos lobos".

O Clube da Lua e o Devorador de Sonhos (Livro 2 ✓)Onde histórias criam vida. Descubra agora