No trajeto até o hospital, Ian me deixou a par do jantar que ocorrera entre sua família e os lobos do conselho na noite anterior, e que resultou na convocação de Benjamin para se juntar à Caçada Voraz. E, ainda que Ian estivesse mais preocupado com o fato de seu irmão precisar se mudar dentro de alguns dias, eu não conseguia deixar de pensar no tal vaso de origem desconhecida que os lobos haviam encontrado enterrado próximo à casa de Roberto, e que agora seria examinado por Ben e outros especialistas. A impressão que eu tinha era a de que todo aquele pesadelo relacionado à Flor Cadáver nunca teria fim; Ian e Maia estavam até aquele momento pagando o preço com a coleira de prata, eu estava me esforçando para manter os poderes de cernuno em segredo e, não bastasse isso, havia ainda aquela nova informação de que alguém poderia ter trazido o tal artefato que continha a Flor Cadáver até Esmeraldina propositalmente.
Ao adentrarmos a sala de espera do hospital, logo encontramos Maia e o Pajé, que repetiu para nós tudo o que tinha acontecido com Inara. Segundo os médicos, não havia nada que pudesse ser feito, a não ser esperar que ela reagisse. Maia estava arrasada e extremamente abatida. Chamei Ian num canto e sugeri que ele a levasse para casa. Não havia nenhum indício de que Inara acordaria tão cedo e não ajudaria em nada manter Maia ali, naquele estado. Ele concordou comigo, mas preferiu levar a irmã consigo para a casa de Benjamin, poupando, assim, que ela tivesse que lidar com os lobos do conselho na fazenda. Após decidirmos tudo aquilo, Ian me deixou na pousada e seguiu com Maia para a cabana de Ben.
***
Desci do carro de Maia torcendo para que o restante daquele dia não me reservasse nenhuma outra surpresa. Mal sabia eu. Assim que abri a porta da frente da pousada, esbarrei com uma moça que estava saindo de lá no mesmo momento. Graças à colisão, as caixas que ela segurava caíram no chão. Fiz menção de me abaixar para ajudá-la, mas ela rapidamente recolheu tudo e já seguiu seu caminho, sem me deixar intervir.
— Me desculpe... — tentei dizer.
— Não foi nada — ela respondeu depressa, sem me olhar nos olhos. Não a conhecia, mas sua fisionomia não me era estranha. Antes que eu pudesse dizer mais alguma coisa, no entanto, ela deu as costas para mim e seguiu rua abaixo, nervosa.
Ao entrar na recepção, encontrei minha tia atrás do balcão organizando alguns documentos.
— Quem era aquela moça? — perguntei. — Ela quase me atropelou quando eu abri a porta...
— É a Teresa — minha tia respondeu, com certo pesar. — A irmã do Roberto. Veio buscar algumas coisas que ele deixou no armário que usava quando trabalhava aqui...
Finalmente entendi por que a garota não estava de bom humor. Não devia ser nada agradável sair por aí recolhendo os pertences de uma pessoa querida que já não estava mais entre nós, principalmente quando a pessoa em questão tinha partido nas condições em que Roberto partira, então não a julgava. Fiz menção de me dirigir ao meu quarto, mas minha tia me impediu.
— Davi, espera — ela pediu. — Tem uma visita pra você.
Ao dizer aquilo, ela apontou para as poltronas que ficavam do outro lado da recepção, atrás de onde eu estava. Virei-me para aquele lado do cômodo, para onde eu ainda não tinha dirigido o olhar, e finalmente vi quem me aguardava. Era Alfredo, o advogado dos meus pais, que vinha cuidando de toda a parte burocrática da minha vida desde que eles faleceram.
— Oi — eu cumprimentei, estendendo a mão, um pouco sem graça e sem saber o que dizer. — Quanto tempo!
De fato, aquela era a primeira vez que eu me encontrava pessoalmente com ele desde que deixara a capital. Desde então, todos os nossos contatos tinham se dado por telefone ou e-mail. Alfredo retribuiu meu cumprimento apertando minha mão com firmeza. Ele mantinha a mesma aparência formal que eu me lembrava da última vez em que nos vimos, com os cabelos lisos cuidadosamente alinhados para trás, provavelmente com a ajuda de alguma pomada, e o bigode lustroso contrastando com o sorriso branco e alinhado. Alfredo trajava roupas sociais e trazia um paletó dobrado em um dos braços; "provavelmente o calor de Esmeraldina o obrigou a remover a peça", refleti comigo.
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O Clube da Lua e o Devorador de Sonhos (Livro 2 ✓)
Fantasy[Livro 2 da série "O Clube da Lua"] Depois de unirem suas habilidades e colocarem um fim à ameaça da Flor Cadáver, Davi, Ian, Maia e os demais membros do Clube da Lua finalmente poderão ter um momento de descanso e aproveitar o status de heróis da c...