1. A vez em que uma loba dourada se meteu em uma encrenca

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Eu já havia me envolvido numa série de confusões ao longo de toda minha não-tão-longa vida, eu bem sabia, mas, dessa vez, as coisas tinham realmente passado dos limites. Eu e meu querido irmãozinho cabeça de jerimum estávamos muito encrencados, mas muito mesmo. Como vocês bem sabem, há pouco mais de um mês atrás, nós nos juntamos com nosso grupo de amigos – com um vampiro incluso entre eles, diga-se de passagem – para tentar impedir o despertar de um monstro tenebroso sequestrador de criancinhas. No fim das contas, depois de muita dor de cabeça, nossos esforços acabaram dando certo e a tal da Flor Cadáver foi derrotada e trancada num selo trazido pelo nosso colega morcego.

Mas, se por algum breve instante eu e os demais membros do Clube da Lua chegamos a pensar que teríamos um pouco de paz depois de concluída essa missão, estávamos redondamente enganados, ah, como estávamos! No mundo real, das pessoas imunes à magia e protegidas pelo Véu de Esmeraldina, tudo foi lindamente explicado e, de uma hora para a outra, fomos alçados à categoria de heróis da cidade, sendo condecorados pelo prefeito e até mesmo recebendo uma recompensa em dinheiro por termos encontrado as duas crianças desaparecidas. Mas, no mundo sobrenatural, as coisas não haviam sido resolvidas de maneira tão fácil assim, infelizmente.

Primeiro, havia o fato de termos mentido para os nossos pais, os líderes da alcateia, e trazido um vampiro escondido para dentro da reserva ambiental que em teoria deveríamos proteger. Por mais que nossa intenção tenha sido das melhores, não pegou nada bem, principalmente pelo fato desse mesmo vampiro, o Leo, ter desaparecido dias depois com o espírito selado da Flor Cadáver e não ter dado mais nenhuma notícia desde então. Não preciso nem dizer que essa atitude não foi bem recebida pelos lobos e eles acharam tudo muito suspeito. Também não adiantou nada eu ter dito que minha loba interior não havia encontrado nenhum traço de mentira nas palavras do garoto-morcego; o meu moral estava tão baixo com todo mundo que eles nem sequer deram atenção a esse importante detalhe.

Em segundo lugar, havia toda a polêmica envolvendo meu mais novo cunhado, o Davi. Tudo começou pelo fato dele ser um menino e minha adorável mãezinha não ter digerido muito bem a notícia de que o caçula querido dela era gay e já tinha até arranjado um namorado. Mas o problema maior nem foi o Ian ter decidido brincar de espadas com o Davi (o que, aliás, não deveria ser problema nunca, não fosse o fato de estarmos em Esmeraldina, uma cidade de interior, ainda com uma mentalidade interiorana). A coisa esquentou mesmo foi quando nosso irmão mais velho, o Benjamin, descobriu que o meu cunhado cabelo-de-maionese era descendente de um tal deus chifrudo, chamado Cernuno, e que ele poderia destruir tudo ao seu redor se seus poderes saíssem do controle. Como vocês bem sabem, na hora de enfrentar a Flor Cadáver, esses poderes dele de fato acabaram ficando um pouquinho descontrolados, mas, ao fim do dia, tivemos ajuda de outros seres sobrenaturais – leia-se o supremo Anhangá em pessoa – e tudo terminou bem. Mas os lobos, teimosos como sempre, não lidaram de maneira positiva com isso, não mesmo.

Veja só, eu até consigo entender a cabecinha deles. Durante muitas décadas, desde a época da conjuração do Véu protetor sobre Esmeraldina, os lobos foram se estabelecendo no topo da hierarquia das criaturas sobrenaturais que viviam por aqui. Com exceção da aparição de algum vampiro vez ou outra, nunca chegou por essas bandas qualquer outro ser que pudesse ameaçar a alcateia ou a ordem que ela havia estabelecido. As panteras eram as únicas que talvez pudessem tentar confrontar os lobos, mas, desde que haviam conseguido um pedaço da reserva para elas, preferiram se isolar e nunca mais criaram problemas. Então, por mais que os lobos nunca houvessem sido intitulados efetivamente como os líderes da região, havia sim entre eles uma mentalidade de que eram mesmo os "donos do pedaço". Daí você pode imaginar a surpresa desses convencidos quando descobriram que havia chegado na cidade um jovenzinho marrento, que, não satisfeito em dar uns beijos no filho exemplar dos líderes da alcateia, ainda tinha poderes de uma criatura ancestral, suficientes para reduzir cada um daqueles cãezinhos a pó, se assim quisesse. Spoiler: eles não gostaram nadinha, não mesmo.

O Clube da Lua e o Devorador de Sonhos (Livro 2 ✓)Onde histórias criam vida. Descubra agora