23. A vez em que uma loba dourada precisou engolir o seu orgulho

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Enquanto eu acelerava o carro rumo à casa de Inara, me esforçava para tentar compreender o que raios estava passando pela cabeça do Pajé para agir daquela forma. Como assim ele tirou a filha do hospital, contra as recomendações médicas? Segundo a atendente que conversou comigo, os médicos responsáveis por atender os casos de praga do sono tentaram convencê-lo de todas as maneiras, mas o homem se mostrou irredutível; e, pegando a todos de surpresa, simplesmente arrancou os fios que estavam conectados ao corpo de Inara, tomou-a nos braços e a levou embora, sem dar mais explicações.

Assim que cheguei na aldeia, dirigi-me à casa de cor tangerina e bati na porta, apressada, mas ninguém veio atender. Impaciente, passei a bater palmas e a gritar o nome do Pajé, mas, ainda assim, não obtive sucesso. Quando eu estava prestes a dar um jeito de entrar por uma das janelas, uma mulher, provavelmente vizinha deles, se aproximou de mim e me explicou o que acontecia.

— Eles estão na Oca maior, moça. Não tem ninguém aí dentro.

Apenas agradeci e me encaminhei ao grande barracão, que ficava bem no centro da aldeia. Assim que entrei no local, fui surpreendida pelo cheiro de ervas e pela grande movimentação de pessoas. Dirigi-me mais adentro do espaço e finalmente consegui enxergar o Pajé, sentado ao lado de um altar de pedra. Minha surpresa maior, no entanto, foi perceber que sobre o tal altar estava o corpo adormecido de minha amiga, adornado com pinturas e rodeado de flores.

— O que você pensa que tá fazendo??? — perguntei, indignada.

O Pajé apenas me encarou, entediado, sem se abalar com o meu questionamento.

— Fale baixo, por favor. Estamos em um lugar sagrado, respeite os espíritos superiores.

Eu estava pronta para mandar os espíritos superiores irem catar coquinho, mas respirei fundo e tentei me acalmar.

— Pajé, a Inara precisa voltar pro hospital — argumentei. — É para o bem dela!

— Ela ficará melhor aqui, junto da sua família e da sua cultura — ele rebateu, irredutível.

— Como você espera que ela melhore sem receber o tratamento adequado?? — indaguei.

— E quem disse pra você que o tratamento oferecido naquele hospital é mesmo o mais apropriado? — retrucou ele, demonstrando irritação. — Você tem noção de que aqueles médicos não fazem a mínima ideia do que essa doença seja? Eles estão completamente perdidos! A única coisa que eles faziam com a minha filha era alimentá-la com uma sonda e cuidar de sua limpeza. Isso nós mesmos podemos fazer aqui, na aldeia!

— Mas e se ela piorar de repente? — insisti. — E se precisar de uma ajuda emergencial e não tiver ninguém por perto?

O Pajé ficou de pé e fez sinal para que eu o acompanhasse até o lado de fora da Oca maior. Enquanto caminhávamos, ele voltou a falar comigo.

— Eu sei que você gosta muito da minha filha e só quer o melhor pra ela — ele reconheceu. — E eu sinceramente admiro e agradeço toda a sua preocupação. Porém, creio que você ainda não conseguiu entender o que realmente está acontecendo aqui.

— Então me explica, por favor, porque eu já tô enlouquecendo com tudo isso! — admiti, exausta com toda aquela situação.

— Essa tal praga do sono, como eles chamam, não é uma mera doença — o Pajé afirmou. — Pense bem, Maia! Não há febre, não há a presença de organismos estranhos nos exames, não há nada! Os afetados simplesmente estão dormindo! É apenas isso, eles dormiram e não conseguem mais acordar. Isso não é uma doença, não mesmo, isso é uma maldição!

Senti meu corpo inteiro arrepiar ao ouvir aquela palavra.

— Então você acha mesmo que há alguma relação dessa doença com o sobrenatural? — perguntei, receosa.

O Clube da Lua e o Devorador de Sonhos (Livro 2 ✓)Onde histórias criam vida. Descubra agora