03. May

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6 ANOS ANTES DOS CRIMES

Mariane passou as férias da faculdade sem trabalhar nas revisões e não produziu novos textos. O último semestre era uma câmara de torturas e o diploma já não parecia tão especial.

Sara havia estranhado o fato de ela ter recusado novos textos para revisar, mas dizia que entendia: o último semestre é o pior. Vez ou outra perguntava a amiga se alguma editora havia respondido sobre os originais dela. Mariane dava respostas evasivas por pura covardia em revelar que suas histórias eram medianas demais para serem publicadas.

— Estão analisando ainda. O prazo é longo.

Sara captou a tristeza da amiga há meses e já tinha entendido a situação.

— Bom, você sabe, eu converso bastante com vários autores iniciantes e muitos deles optam pela autopublicação.

— Por que está me dizendo isso? — perguntou Mariane.

— Você acha que me engana? — Sara cruzou os braços. — Olha, tudo bem receber respostas negativas das editoras, todo mundo passa por isso. Veja bem, J. K. Rowling, por exemplo! O melhor exemplo de vida. Recusada diversas vezes, por mais de dez editoras, e isso já sendo agenciada! E preste atenção: Ela desistiu? Ela abriu mão do sonho? Não! Ela não parou e ganhou o mundo! Nós duas adoramos aquele discurso dela: Vidas muito boas!

Uma lágrima havia trilhado a bochecha de Mariane ao ouvir aquilo.

— É um exemplo clássico de sucesso que chega a ser praticamente intangível, eu sei, "É completamente fora da curva, a exceção" você vai dizer, mas é real! Você deve acreditar mais em si, caramba! Tem que acreditar no seu sonho. Você sabe melhor que ninguém sobre isso e não vou dar uma palestra motivacional a você. Usei a Rowling como exemplo, mas te garanto: passaria horas aqui citando outras centenas de bons exemplos. Olha aqui, prometa! Prometa que vai persistir, nem que você própria produza seus livros.

Mariane fez que sim com a cabeça. Precisava de um abraço consolador. E como se Sara tivesse lido seus pensamentos cheios de infantilidade e melodrama, puxou ela para si e a apertou com força.

— Desistir não é uma opção. Está me ouvindo? Nem mesmo se tiver que abrir sua própria editora para publicar seus livros. Promete?

As duas sorriram ao desfazer o abraço. Mariane a encarou, grata. Sara tinha o mais belo par de olhos verdes que Mariane já tinha visto, e eles estavam brilhantes por causa das lágrimas contidas. A moça olhou bem na imensidão dos olhos de Mariane também, e disse:

— Por enquanto, faça o seguinte: Eu conheço uma gráfica aqui perto. Não custa nada ir até lá e se informar sobre os procedimentos e os valores para imprimir alguns exemplares dos seus livros.

— Tem um problema, Sara. — Baixou a cabeça. — Apaguei tudo há algumas semanas...

Sara levantou a cabeça dela, delicadamente.

— E daí? Tenho tudo salvo no meu computador, sua doidinha. Envio de volta para você hoje mesmo. E ah, marque um dia ainda nesta semana para a gente reassistir Magia além das palavras para dar um gás!

*****

Mariane chegou à gráfica bem cedo naquele sábado. Havia discutido consigo mesma durante dias sobre o que estava prestes fazer.

— Olá, tudo bem? Você é a Kelly?

— Sim, sou eu mesma. Você deve ser a Mariane, não é? Por favor, sente-se — disse a sorridente recepcionista da Print-Artes, uma gráfica barra editora que prestava serviços editoriais. — Decidiu imprimir seus livros, então?

— Vim apenas fazer o orçamento — respondeu Mariane.

A conversa sobre diagramação, capa, o melhor tipo e gramatura do papel para o miolo, quantidade de exemplares iniciais, e etc, durou duas horas. Neste ínterim, Mariane experimentou um misto de sensações indescritíveis no papel. A ideia de produzir seus próprios livros não parecia mais tão maluca. Mariane aproveitou cada segundo daquele momento. Estava boba e o sorriso no rosto não sumia.

Kelly mostrou à ela duas folhas contendo os orçamentos. A tiragem inicial parecia muito cara porque Mariane tinha que arcar com todos os serviços gráficos da impressão designada ao lançamento... — A palavra "lançamento" fazia a espinha dela congelar. — Já a segunda folha mostrava a segunda tiragem de valor mais baixo por contemplar apenas a confecção dos demais exemplares. Sem que Mariane precisasse pedir desconto, Kelly, de prontidão, disse:

— Vou falar com o dono. Vou ver se ele deixa esses valores mais interessantes, calma aí.

Melhor que a encomenda! Aguardou. Já estava na décima tentativa de se ajeitar na cadeira dura. O sol estava castigando tudo lá fora e Mariane sentia bastante calor, contudo, o que fez seu corpo transpirar feito louco, foi a aparição do homem em sua frente, acompanhado da simpática Kelly.

Sara havia perdido a posição número 1 no quesito "Olhos verdes mais lindos do mundo".

— Olá, escritora. Como vai? Meu nome é Norberto.

Como escrever, matar e publicar [Vencedor do Wattys2020]Onde histórias criam vida. Descubra agora