6 MESES ANTES DOS CRIMES
O choque que havia afetado May por completo e a deixado com o quadro clínico atual, aconteceu há uns seis meses. Foi horrível.
Era típico dela ficar até mais tarde na editora na ânsia de terminar algum trabalho. Era para ser apenas mais um dia normal, tendo como encerramento irritações nos olhos sensíveis e dor de cabeça. Porém, algo mais grave estava prestes a acontecer.
Todo mundo já havia saído da Editora há mais de meia hora. May também já estava para ir embora, faltava só finalizar alguns pagamentos de royalties dos autores mais vendidos do último trimestre.
Ouviu um ruído vindo de lá de baixo. O portão fora aberto. Não se exaltou, afinal, poderia ser algum dos seus funcionários voltando em busca de algum pertence esquecido na correria do dia. Ouviu também o Piii característico do painel da porta protegida com senha, a qual dava acesso ao escritório: "Senha correta, entrada liberada".
May, sem tirar os olhos do computador, com os óculos de leitura quase na ponta do nariz fino, disse:
— Esqueceu alguma coisa?
Dependendo da voz que respondesse, saberia quem era o esquecido ou esquecida de plantão. Contudo, chegou aos seus ouvidos uma voz grave, desconhecida, num tom debochado:
— Vim buscar uma coisinha.
A arma em riste ganhou foco. Os óculos de armações coloridas deslizaram do nariz e foram parar no chão por conta do susto. Ela não disse nada. Nem gritou por socorro — pois, automaticamente sabia que ninguém a ouviria lá fora mesmo. Engoliu areia. Depois do grito não dado, olhou direito para o dono da voz. A miopia não ajudava muito, mas ela teve certeza de que não viu um rosto, apenas a silhueta duma cabeça envolvida num pano fino, marrom... Uma meia-calça?... lembrando algum ser humanoide.
Um assaltante!
Seus olhos dançaram, perdidos, tentando descobrir se ele agiria sozinho ou se tinha mais alguém junto com ele lá embaixo.
De mãos espalmadas no ar, ela tomou um tímido impulso com os pés, fazendo a cadeira deslizar suavemente e lentamente para trás, como se tentasse convencer um rottweiler a não mordê-la.
— Há-há! Parada! Quietinha aí.
Ela estancou.
— Leve o que quiser. — Ela conseguiu dizer, enquanto todo seu corpo tremulava.
— A única coisa aqui do meu interesse... — pausa dramática — ... é você.
Ela não entendeu. Sua boca fazia vários movimentos, querendo falar, mas não saia nada além de ruídos baixinhos e esganiçados. Seu rosto era uma máscara branca, quase sem expressão, inútil ao teatro ou para ser usada numa festa à fantasia. Até uma gueixa tinha mais expressão que ela. O medo a paralisou por completo, mas por dentro, seu corpo borbulhava. Sua mente pensava em mil coisas, ao mesmo tempo em que não sabia o que fazer. Seu cérebro mandava permanecer imóvel, depois mandava correr. Dualidade sufocante, resultando em estado de letargia. Ficou lenta, virou uma estátua.
— Anda logo. — A figura continuava empunhando a arma na direção dela. A estátua piscou. Isso mesmo, todos os neurônios dela trabalharam para fazê-la piscar. — Você vai fazer tudo o que eu mandar, direitinho. Se gritar eu te mato agora mesmo!
Sequestro!
Era isso. A mente raciocinou, finalmente. A ficha demorou a cair. Quando caiu, sua pressão decidiu acompanhá-la na queda.
Suadeira. Rapidamente sentiu seu corpo encharcado.
O subconsciente de May parecia não estar entendendo a situação: Ainda usam meias-calças na cabeça como disfarce?
A parte racional mandou a maldita vozinha calar a boca e clamou por ajuda, clamou por Norberto.
Preciso de você, aqui, agora! SOCORRO! Estou em perigo!

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Como escrever, matar e publicar [Vencedor do Wattys2020]
Misterio / Suspenso(LIVRO COMPLETO) | VENCEDOR DO PRÊMIO WATTYS2020 | Categoria: Mistério & Suspense Do que você seria capaz para publicar seu livro? O jovem escritor, Micael - consumido pela ambição de ter seu livro aceito pela editora-chefe da Hora de Ler -, aparece...