DIA DOS CRIMES
21/02/17 – terça-feira, 19h17
Muitas suposições foram levantadas, mas todas passaram longe da grande verdade — afinal, eles jamais imaginaram que foram vigiados no almoxarifado da Editora Hora de Ler através de micro câmeras espiãs. A conclusão foi simples:
"Alguém nos viu na segunda-feira e saiu correndo para contar a May".
Mas daí, surgiu uma nova questão: O porquê de o suposto (ou a suposta) cagueta ter preservado a identidade de Nicolas...
— ... Ou então ela sabe que é você e decidiu não jogar tudo na mesa! — concluiu Norberto.
— E isso faz sentido? Ela me demitiria na hora! Por que ela se daria o trabalho de fingir por todo esse tempo?
A questão ficou pairando no ar.
Voltaram a especular:
"Alguém da editora entrou no almoxarifado e nos flagrou. O flagrante foi repassado à May, que neste caso, estava mal de verdade na segunda-feira. E May, por sua vez, sempre forte e justa, mesmo numa situação com essa, decidiu apurar os fatos ela própria. Quando não suportou mais, explodiu."
Inegavelmente, eles estavam simplificando demais a realidade, a ponto de nem chegaram a cogitar a omissão do nome de Nicolas pelo simples fato de May ter tido nojo só de mencionar o nome dos dois na mesma frase.
Perdidos dentre tantos achismos, decidiram trazer o problema à tona e focar no...
— ... O que vamos fazer de agora em diante?
— Ora essa — disse Nicolas, nervoso — agora é a hora de contar a verdade. Ela irá me demitir, com toda razão. Ela vai se separar de você, e...
— Não! Não aceito isso!
Nicolas rebateu rápido:
— Mas é o que vai acontecer, já era!
— Não! Jamais! Ela não pode destruir minha reputação! — esbravejou ele, espremendo o celular na mão de nós brancos e veias protuberantes.
— Você é burro? Quem destruiu a sua reputação foi você mesmo, Norberto! Agora você deve arcar...
— Vá à merda, porra! — A calmaria disfarçada caiu por terra. — Tenho que pensar o que eu devo fazer agora para consertar isso, cacete!
— Consertar? Acorda, já está tudo ferrado! Ou você se assume logo de vez, ou...
Norberto gargalhou alto.
— Eu não vou assumir nada! — Norberto era determinação.
— Espera aí. Está me dizendo que você vai manter essa mentira? Vai seguir adiante com essa historinha de hetero casado? — Nicolas era indignação.
— Chame como quiser! Eu vou tentar consertar esse erro!
Será que conseguiria a tempo?
— Erro?
Silêncio.
Respirações pesadas.
— Desculpa, mas como vamos resolver esse ERRO? — perguntou Nicolas, recobrando o pensamento.
— Você não fará nada! Eu vou procurar May e vou tentar me desculpar por todo o mal que causei com essa merda toda. Pedirei perdão de algum jeito. Se preciso for, eu me ajoelho aos pés dela e imploro por perdão. Depois vou descobrir quem foi o maldito filhodaputa que me dedurou e irei demiti-lo!
— "Essa... merda... toda"? — indignou-se Nicolas, reproduzindo palavra por palavra, lentamente. — Você viver enrustido a vida toda é um problema seu, agora me tratar como um objeto sem valor, eu não admito! E não me corta! Eu ainda estou falando! Você acha que May vai acreditar no seu falso arrependimento e perdoá-lo assim de cara, tão facilmente? Acha mesmo que ela vai deixar você demitir o "informante" dela e viver uma vidinha medíocre com você? E eu, Norberto? Está esquecendo de mim? Agora eu nem poderei mais pôr os pés naquele lugar! Não pensou nisso? Como é que eu fico? — Antes que Norberto desse uma resposta mais dura e ofensiva que o silêncio, Nicolas continuou: — Você não está nem aí, né? Está pouco se fodendo para mim, não é, seu enrustido?! E vem cá, você só pode estar louco! Acha mesmo que vai conseguir dar um jeito nisso e não pagar pelo que está fazendo comigo? Aconselho a você agir como um homem de verdade e assumir que é viado! Fica menos feio, cara! Se liga, sua única opção é assumir sua sexualidade, deixar May em paz, e...
— E o quê? E o quê? Me diz! E ficar com você? — Norberto gargalhou, nervosamente. — Acho que quem está ficando louco aqui não sou eu! Você acha que vou deixar uma aventurinha estragar toda a vida que eu construí com minha mulher?
A voz de Nicolas não protestou no tempo certo. As palavras custaram a sair... não que ele não estivesse entendendo o que estava ouvindo, simplesmente não estava conseguindo digerir com rapidez.
— Não signifiquei nada para você, seu escroto?
— Olha, eu prefiro "pular" essa — disse Norberto, irônico.
— Pois bem — concluiu Nicolas, soluçando — agora, você vai se ferrar feio! Vou revelar tudo para May, desde o começo! Ela finalmente vai saber com quem esteve casada por esse tempo todo!
— Ha-há! Nem sonhe em fazer uma besteira dessas...
— ... e você nem ouse de me impedir! Já que está me tratando como um lixo, vou cuidar de destruir suas chances de se acertar com ela, porque May é inteligente e não vai acreditar que foi você cometeu apenas um deslize — continuou Nicolas por cima da fala de Norberto, ignorando as ameaças dele. — Eu mesmo me prontificarei em tirar sua máscara. Vou revelar cada detalhe sobre nós... Ela vai adorar saber como é que você chupava meu cuzinho; o jeito como eu sentava e rebolava em cima do seu pau; o modo como você grunhia quando gozava. Aposto que ela nunca ouviu você gemendo daquele jeito... E é capaz que ela ainda me perdoe em estar sendo sincero com ela... Norberto, ah, meu querido, ela vai sentir tanto ódio de você que, conhecendo-a bem como eu a conheço, ela mesma se encarregará de destruir sua frágil reputação!
— Eu MATO você se fizer isso! — ameaçou Norberto, engrossando a voz.
E como se Nicolas não tivesse ouvido a ameaça de morte, falou sua última frase antes de desligar na cara de Norberto:
— Você está fodido, Chefinho. May vai te destruir, seu traidor nojento! Ela jamais vai perdoar você, filhodaputa!
Após o "Tu, tu, tu..." do telefone, Norberto quase jogou o celular na direção do ventilador. Faltou pouco para perder a lucidez.
— LAZARENTO DO CARALHO! — esbravejou para o silêncio. — EU VOU MATAR VOCÊ, NICOLAS!
Norberto estava uma fera; um ataque cardíaco fulminante se fazia iminente. As veias do pescoço pareciam ramificações grossas.
Preciso ter calma! Preciso pensar! Droga, fodeu tudo! Fodeu, fodeu, FODEEEU!
Antes que seu coração explodisse por conta da ira, ele se sentou na poltrona, zonzo. Dez segundos depois se levantou para se servir d'uma dose de uísque. Por causa da tremedeira, acabou derramando uma quantidade dolorosa de Jack Daniel's sobre o balcão.
Sorveu a bebida num gole só. Sentiu a garganta arder como se tivesse engolido labaredas líquidas.
Tossiu com o engasgo.
Recuperou-se depressa da tosse e repetiu a promessa mais uma vez, apoiado no balcão do barzinho:
— Eu vou matar você, Nicolas. — A pausa que ele fez antes de proferir a próxima frase sussurrada, era digna de uma "Pausa dramática": — E eu vou cuidar disso agora mesmo.
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Como escrever, matar e publicar [Vencedor do Wattys2020]
Mystery / Thriller(LIVRO COMPLETO) | VENCEDOR DO PRÊMIO WATTYS2020 | Categoria: Mistério & Suspense Do que você seria capaz para publicar seu livro? O jovem escritor, Micael - consumido pela ambição de ter seu livro aceito pela editora-chefe da Hora de Ler -, aparece...