20 DIAS ANTES DOS CRIMES
01/02/17 - quarta-feira, 20h13
De tanto ficar com a boca aberta, o maxilar de Micael já estava dormente. Ouviu os segredos sujos de Nicolas em estado de perplexidade. Esqueceu até mesmo de interromper e atravessar a conversa com outros assuntos como sempre fazia. Por uma hora inteira foi só ouvidos; Nicolas fez questão de contar cada detalhe dos acontecimentos entre ele e Norberto; vários deles: sexuais e íntimos demais. Entretanto, Micael entendeu o amigo, afinal, era um segredo e tanto e Nicolas tinha ficado de bico calado até o momento. E isso durou quase dois meses!
Depois da longa revelação sobre as historinhas e aventuras sexuais de Nicolas com Norberto, Micael pôde colocar em ordem seus pensamentos e pensou que aquilo era apenas mais um "conto" de putaria com o chefe gay enrustido que poderia muito bem ser encontrado no Wattpad aos montes!
Talvez o desprezo repentino do affair do amigo lhe incomodou tanto porque a vida dele tinha se tornado bem mais "interessante" que a sua própria, cheia de lamúrias. Logo entrou no seu estado deprimido e manteve-se absorto em sua própria insignificância, afogado no seu egoísmo.
Bom, a novidade da década já foi revelada e ele não estava mais com vontade de ouvir aqueles detalhes e dilemas todo. Porém, Nicolas disse precisava de sua opinião numa coisa "muito importante!"
— ... seguinte: Estou pensando em entregar uma cópia... Mica?
— Ah, oi, desculpa.
— Está prestando atenção? — reclamou Nicolas. — Você nem bebeu seu vinho direito.
— É... Todas essas revelações meio que me deixou com um pouco de cabeça, e... O som...É, o som, ele está um pouquinho alto, desvia um pouco da atenção.
— Meu caro, abaixei o volume tem séculos. — Verdade: Chris Corner da banda IAMX já estava cantando baixinho há muito tempo. — Estou sentindo você muito distante, Mica. Chega de viver nessa melancolia. Parece até um depressivo... Daqui a pouco vai começar com pensamentos suicidas. Credo!
— Ah, para, vai. Bancando a bicha dramática agora?
— Ah, jura? Eu que sou a bicha dramática? Tem certeza?
— Ok, mas... Eu ando meio, você sabe... descontente... — O silêncio foi preenchido pelo som eletrônico da melodia.
— É. Você tem razão. Você tem seus problemas e eu vivo falando muito de mim ultimamente, né? — Nicolas fazia círculos com a taça quase vazia. — Encho você de historinhas...
— Vou ser sincero: Tem horas que, puta merda, suas aventuras enchem o saco — desabafou Micael. — Mas, aqui estou para te ouvir. E você disse ser muuuito importante. Só vá direto ao ponto e pare de enrolar porque já estou ficando com sono. — Micael se livrou da taça e gesticulou "parei por aqui".
— Ok, seu grosso. — Nicolas fez beicinho.
— Vai, conta logo. Você dizia que ia entregar algo ao "Chefe". — Fez sinal de aspas com os dedos ao pronunciar a palavra Chefe. O apelido ambíguo fazia alusão ao cargo de Norberto e o comportamento de mandão em cima de uma cama. — Era a cópia da sua chave?
— Isso. E aí, devo entregar?
— Acho precipitado demais — Micael franziu os lábios, espremendo-os. — Imagina só: Ele vai acabar decidindo aparecer aqui do nada, quando bem entender. Você perderá sua privacidade. Sei lá.... Essa ideia está longe de ser genial, viu. — Micael apelou para o evasivo com o objetivo de poupar o amigo de comentários mais pesados.
De repente os dois ouviram algo vibrando. Nicolas foi até a cozinha e voltou todo sorridente segurando o celular nas mãos.
— É ele. O Chefe.
— Ah, nossa! Surpresa, heim — ironizou. — E ele está querendo...?
— Sei lá. Já é meio tarde, então...
— Saquei. Ele não quer bater punheta nem comer a mulher. Ele quer comer seu rabo.
— Ei!
— Ok, ok... chame de "Fazer amor" isso aí que você faz com o cu.
— Mica, cala a boca! — advertiu Nicolas, e depois fez sinal de silêncio com o dedo indicador encostado nos lábios e atendeu ao celular.
Só pelo jeito de Nicolas falar, Micael teve certeza: Norberto está no cio. Isso já está me dando nos nervos. É melhor eu ir embora. Micael já ia se levantando quando Nicolas segurou o braço dele.
— Ok, pode ser então... Chefe — disse Nicolas, mordendo o lábio inferior de um jeito que já fora considerado sexy por Micael. — 'Tô te esperando. — Desligou.
— Vai liberar de vez a entrada?
— Ainda estou indeciso. Hoje ele vem me pegar. Tenho meia hora para me arrumar. Vamos num Drive.
— Ah, é?
— Sim. Ele vai me levar no Koreto.
— Cara — disse Micael, fazendo careta. — Koreto? Lá é um lixo.
— Norberto gosta disso. Ele sempre se queixou para mim: May é frescurenta demais e odeia lugares assim, nem por brincadeira.
— Eu entendo ela... Então o Chefe quer realizar todos os desejos sujos com você?
Nicolas deu risada como se o comentário tivesse sido cômico e não uma crítica.
— Bom, preciso ir. Já sei que agora você vai correr para fazer a...
— Quieto. Precisa falar?
— Ok, está certo. Digo nada... Só desejo uma boa "chuca" para você, amigo.
— Por que sempre tenta me constranger assim? — quis saber Nicolas, fazendo biquinho.
— Cara, você está saindo com seu patrão; está ajudando ele a trair a esposa; e ainda se sente constrangido em dizer que vai lavar o cuzinho para não "passar o cheque" no cara?
— Credo! Estava brincando! Vá embora! Logo! Já! — Nicolas estava ruborizado. — Suma. Nunca mais quero ver você — disse, brincando e sorrindo. — Obrigado por ter vindo me ouvir mais uma vez.
Micael deixou escapar um sorriso. Despediram-se com o habitual selinho. Nicolas fechou a porta e Micael foi descendo as escadas sem pressa alguma com as mãos nos bolsos. E do nada, assim de repente: uma epifania lhe ocorreu. E existia muita malícia no pensamento. Seus olhos brilharam. Caramba... Essa pode ser a minha última chance... Voltando à pé para casa e com a cabeça borbulhando de tanto egoísmo, Micael refletiu sobre sua nova ideia. No fim das contas, nem tudo está perdido! E o plano se encaixou todinho na sua cabeça.
Vinha vindo um ônibus. O itinerário do busão nada tinha a ver com o trajeto até a sua casa, porém, a ideia dele mudou todo seu rumo. Deu uma corridinha até o ponto de ônibus. Chegou a tempo. Fez o sinal com o braço e, quando ele parou, ele entrou. Conferiu a porcentagem da bateria do celular. Havia carga suficiente para tirar muitas fotos e gravar diversos vídeos se quisesse. E seguiu. O Destino: Koreto Auto-lanches. Ficaria à espreita.
Chegou lá e escondeu-se na penumbra duma loja fechada de frente ao estabelecimento. Ele riu debochando. Lanches... Minutos depois o Citröen dobrou a esquina e embicou na entrada coberta de trepadeiras do Koreto, então, Micael sacou o celular do bolso (já havia conferido se o flash estava desativado) e tirou diversas fotos da traseira do carro, quantas foram possíveis tirar com suas mãos trêmulas.
Conferiu várias delas e acabou selecionando uma. Ela tinha mais foco na placa do automóvel e mostrava bem o letreiro pobre do lugar para não restar dúvidas. Amanhã mesmo eu envio meu original mais uma vez, pensou Micael, indo embora pelas ruas escuras, tão escuras quanto seus pensamentos. Mas dessa vez, o farei pessoalmente. E armado.
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Como escrever, matar e publicar [Vencedor do Wattys2020]
Mystery / Thriller(LIVRO COMPLETO) | VENCEDOR DO PRÊMIO WATTYS2020 | Categoria: Mistério & Suspense Do que você seria capaz para publicar seu livro? O jovem escritor, Micael - consumido pela ambição de ter seu livro aceito pela editora-chefe da Hora de Ler -, aparece...