47. Norberto

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DIA DOS CRIMES

21/02/17 – terça-feira, 20h31

Depois que Rodrigo foi embora, Norberto entrou num estado de paralisia. Um minuto de silêncio foi suficiente para a sua convicção vacilar. Rodrigo faria mesmo o que fora encarregado de fazer?

A reação, que pegou até mesmo o próprio Norberto de surpresa, veio assim, do nada, mas de forma gradativa: Norberto riu. O riso virou uma gargalhada. Uma gargalhada nervosa, mas era uma gargalhada.

O olhar dele, fito em nada específico e injetado de raiva, fazia com que surgissem micro-ramificações vermelhas no "branco" de seus olhos. Por um momento, aquele par de esmeraldas claras não parecia tão bonito.

Já era 20h31 e não poderia ficar à espera das coisas. Precisava agir. A mudança só vinha quando a ação começava, não?

Mas por onde começar? O que fazer?

Momento de reflexão. Não sabia para onde May tinha se refugiado. Passou em sua mente que provavelmente ela estaria agora nos braços da mãe dela, lamentando sobre como a sua vida tinha virado de cabeça-para-baixo.

Pensar nas consequências disso tudo deixava Norberto mais longe do seu objetivo, portanto, obrigatoriamente, ele tinha que deixar isso de lado, em segundo plano. Mudando rapidamente de foco, sua preocupação agora era em saber se seu plano dera certo (até o momento), e se daria certo (até onde?).

Sem mais hesitar e esperar por alguma mensagem ou ligação de Rodrigo, pois ficar parado como um filósofo não resolveria nada, afastou qualquer pensamento pessimista sobre Rodrigo ter "dado para trás" e puxou seu iPhone do bolso. Era hora da ação, a hora de começar a mudar as coisas. Clicou no aplicativo de "caronas pagas" chamado Uber e, ansioso como estava e nervoso a ponto de achar que capotaria o carro durante o percurso, chamou um.

Seria melhor assim. Ocuparia sua mente com planos e ações sobre o que fazer depois do assassinato de Nicolas, do que com os semáforos, pedestres, limites de velocidades e o caralho-a-quatro do trânsito.

Não era hora de se preocupar com a aparência, mas como de costume, levado pela vaidade que ainda possuía em meio àquela tragédia toda, ele se postou de frente ao grande espelho que tomava quase a altura toda da parede da sala, e passou as mãos nas madeixas grisalhas, a ponto de colocar cada fio rebelde e solto em seu devido lugar. Notou que estava com um aspecto meio avermelhado, mas atribuiu a tonalidade aos últimos fatos, pois só um robô estaria alheio a tantas emoções surgidas com ferocidade.

Quando se convenceu de que estava bonito e charmoso como (todo o) sempre, curvou-se diante de uma mesinha de madeira ao lado de sua poltrona e pegou sua carteira. Fechou a porta com mais força do que pretendia e desceu em disparada até a portaria, já que, depois da olhadela na tela do iPhone, deu-se conta de que o aplicativo mostrava que o motorista já estava virando a esquina do seu endereço.

*****

Em nove minutos a EcoSport prata tinha estacionado ao lado da Editora Hora de Ler.

Norberto fora avisado pelo aplicativo e pelo motorista que a corrida tinha dado treze e cinquenta. Ele, já munido de sua fina carteira (pela elegância e pela espessura), abriu-a e sacou uma nota de vinte reais. Estendeu o dinheiro ao seu chofer-particular-de-última-hora, deu boa noite a ele (mais por costume do que educação), abriu a porta do carro e, rapidamente, já estava atravessando a rua numa corrida que lembrava pulinhos. Nem ao menos se deu ao trabalho de dizer "Fique com o troco" para o jovem que não tinha mais que vinte e dois anos e muito menos quis encarar o rosto estupefato dele ao ter tido sorte com aquela corrida. O moleque sustentou um sorriso juvenil e bobo por causa disso.

Como escrever, matar e publicar [Vencedor do Wattys2020]Onde histórias criam vida. Descubra agora