31. Norberto

367 78 35
                                    

6 MESES ANTES DOS CRIMES

O policial que investigava e coletava os depoimentos chegou a Norberto e pediu que ele contasse o ocorrido.

Norberto começou dizendo que admirava muito o trabalho da polícia, e se disse orgulhoso de um dia ter feito parte da corporação. O policial pareceu gostar da informação e até mesmo deu um sorriso.

Bom contador de histórias como era, Norberto iniciou dizendo que ainda possuía o tão falado "instinto policial" e agiu de acordo com o que seu coração mandou. O policial franziu a testa, desaprovando, mas, estava ali para ouvi-lo e entender o que aconteceu. Então perguntou:

— Seu CRAF está em dia?

CRAF é um registro emitido pelo Exército, por meio do SFPC (Serviço de Fiscalização de Produtos Controlados) destinado aos atiradores desportivos, amantes da caça e também aos colecionadores. A sigla quer dizer: Certificado de Registro de Arma de Fogo. Ex-PMs poderiam ficar com suas armas particulares, desde que renovasse o CRAF dentro dos prazos estabelecidos.

Como a resposta de Norberto foi positiva, não teria muitos problemas com isso depois. Bastaria levar o certificado à delegacia e comprovar que o documento da arma era legal e válido. Obviamente, teria a arma apreendida até que a investigação fosse finalizada. Entregou de bom grado, sabendo que depois do encerramento do inquérito daria entrada no processo de Restituição de Arma de Fogo Apreendida, e receberia a arma de volta por atender os requisitos exigidos. Seria fácil para ele, afinal: já tinha feito parte do bando do "Bandido bom é bandido morto" e estava apenas salvando a vida de sua amada, como insistia em dizer ao policial. Portanto, livraria-se sem grandes problemas.

No final das contas, o detetive esbanjador de tédio e chateação confrontou as duas versões da história, e deu-se por satisfeito com os depoimentos dos dois, como se sua função ali fosse apenas escrever os fatos ao invés de "investigar", "detectar" as verdades e mentiras). Isso gerou um relatório curto preliminar inocentando a dupla inconsequente corajosa com algo relacionado a "legítima defesa" e em prol de um "resgate".

Rodrigo e Norberto receberam algumas advertências do tipo "Não façam mais isso, moleques desobedientes" e um inquérito seria aberto para apurar melhor o caso, porém, segundo o policial, eles não deveriam se preocupar muito com isso, o que gerou alívio para os dois, como se toda a confusão não tivesse passado de uma preguiçosa resolução do crime no estilo: Deus Ex Machina.

O detetive, aparentando má vontade, mas era mesmo "exaustão", resolveu analisar sozinho a cena toda depois de ter conferido os depoimentos.

Havia mesmo a lataria da porta do carro de Rodrigo amassada.

O pára-brisa do veículo não existia mais.

A bala que havia sido (supostamente) disparada contra Rodrigo realmente estava encravada no pneu esquerdo dianteiro.

Havia sinal de luta no chão: gotas de sangue, pegadas, terra espalhada.

O corpo do "suposto" primeiro atirador estava no local descrito por eles (sendo coberto depois de analisado e periciado).

Dentro do galpão havia a cadeira com cordas cortadas, bem como a mordaça no chão.

Havia o segundo corpo estatelado, de bruços, com um buraco na cabeça, vertendo sangue pelo orifício, empapando o cabelo e se espalhando no cimento sujo de graxa.

A arma estava largada há quase um metro do corpo, desprovida de munição; as munições estavam abandonadas no outro canto indicado por Rodrigo.

A equipe do IML tirou as fotografias periciais (uma infinidade de flahs cortando a noite) e depois prepararam os corpos para serem levados.

Como escrever, matar e publicar [Vencedor do Wattys2020]Onde histórias criam vida. Descubra agora