2 DIAS DEPOIS DOS CRIMES
23/02/17 – quinta-feira, 15h00
A reunião desta vez seria online, por videoconferência, já que o prédio da Editora Hora de Ler estava interditado. Os funcionários estavam aguardando o pronunciamento da editora-chefe desde a fatídica noite de 21 de fevereiro. Afinal, como seria de agora em diante?
May finalmente abriu sua câmera. Suas olheiras estavam mais visíveis. E depois de inspirar várias vezes para oxigenar o cérebro na tentativa de escolher bem as palavras e não dizer besteira, May passou a mão pela testa molhada de suor, e começou:
— Boa tarde — Alguns responderam dando "jóia" com a mão, pois, apenas o microfone de May estava ligado. — Como bem sabem, a editora se transformou num palco bizarro e drástico e, assim como a minha vida, isso tudo virou um caos. Infelizmente a vida de vocês também foram afetadas, e eu peço perdão a todos...
E morosamente, ela seguiu com a introdução daquela loucura dos últimos dias.
— Ainda estão investigando a tragédia que aconteceu no almoxarifado. — Seus olhos pararam no "quadradinho" preto onde estava escrito "CRISTOFER", porém, sem imagem alguma, pois a câmera estava desligada. É claro, seu rosto ainda deve estar inchado e só quem sabe disso é Laura... melhor assim. Depois fitou a miniatura virtual de Laura e continuou: — Então, não sei quando poderemos retornar ao trabalho habitual. Portanto, teremos que aguardar até que as apurações da polícia acabem.
É verdade que todos estavam tensos, porém, May podia jurar que no lugar do vídeo de Laura estava apenas uma imagem estática.
— Já dei o meu depoimento à polícia, e no estado em que me encontro, vai ser impossível "tocar o barco", vou precisar de um tempo — May engoliu em seco —, mas claro, torço muito para que seja um período curto e que não prejudique vocês. — Ela ficou em silêncio e viu algumas pessoas menearem a cabeça positivamente. — Bom — retomou ela. — Agora vamos ao que interessa. Quero oferecer a vocês um acordo de férias coletiva depois deste feriado prolongado do Carnaval. Alguns aqui já haviam se planejado em tirar férias por estes dias, para minha sorte. Eu sei que está sendo tudo de repente, mas espero de coração, que entendam a minha posição.
Pelo que ela pôde notar através das expressões no mosaico de rostos, alguns respiraram aliviados. "Demissão em massa e Fechamento definitivo da editora" era um cometa pairando no espaço próximo à Terra, mas, que de última hora, decidiu orbitar em outras redondezas. Os funcionários poderiam "pular" o carnaval em vez de disparar currículos por aí, ao menos por enquanto.
— Sinto muito, mas vão ter que agendar cruzeiros e voos de última hora — disse ela, tentando quebrar a tensão que ainda atormentava alguns. — O bom é que ainda é Fevereiro e o clima está maravilhoso para uma praia.
Menos da metade sorriu, mas já era um bom começo. E então, era isso. Férias coletivas até que toda a poeira abaixasse.
A pequena equipe do RH se prontificou em agilizar o processo de férias de todos os funcionários. Os auxiliares administrativos foram incumbidos de disparar notas explicativas sobre o recesso emergencial para todos os veículos midiáticos aos quais eram parceiros; atualizar redes sociais, páginas, sites e demais perfis da Editora Livros Hora de Ler com um aviso lamurioso; Outra equipe cuidaria de emitir comunicados aos fornecedores, autores, livrarias, cafés onde aconteceriam os lançamentos e tudo que envolvesse o mercado literário.
Tomada por uma ansiedade que deixou suas bochechas vermelhas, Patrícia ligou seu microfone, e resolveu falar:
— Mas May, bem, desculpa a intromissão, acredito que tenha tomado essa decisão depois de muito pensar, e eu i-ma-gi-no como deve ter sido difícil chegar nessa decisão sozinha, porém, acredito muito no potencial da equipe toda e...
— ... Eu sei o que irá dizer, Patty. Eu também confio no trabalho de cada um aqui. Você vai sugerir que a Livros Hora de Ler continue aberta, pois afinal, a maioria de vocês pode trabalhar em casa.
— Sim, ia sugerir exatamente um home office "meio" que geral, claro, nas áreas em que isso pode ser possível de acontecer. Quem sabe Rodrigo poderia assumir a coordenação na sua ausência e... Desculpe, sugerir isso do nada, Rodrigo, deveria ter perguntado a vocês antes de falar, e, ai gente, — corou mais ainda. — Desculpem-me, é que estou nervosa, e...
— Tudo bem. Eu cheguei a cogitar. Considerei deixar a editora funcionando, porém, vocês seriam constantemente importunados por repórteres, ou até mesmo por policiais... enfim... Rodrigo é um agente muito bom, sim, porém, é um agente literário que precisaria de mais treinamentos para assumir a nossa casa com maestria... Você entende, não entende, Rodrigo?
Ele ligou o microfone:
— Completamente. Compreendo, sim. Você está certa.
— Mais alguém gostaria de falar alguma coisa? — Foram 15 segundos sem manifestação, afinal, ela era a editora-chefe e já havia decidido. — Certo. Gente, vocês não sabem a ajuda que estão dando para mim neste momento. É difícil mesmo para mim, tomar decisões com a cabeça desse jeito, e perdoem-me se estou parecendo dramática demais, ou egoísta demais, mas, eu estou péssima com tudo isso que aconteceu aqui. — Uma lágrima desceu por sua bochecha magra e pálida. — Eu gostaria muito de poder continuar o trabalho, normalmente, mas não estou podendo.
May recebeu palavras de conforto, contudo, nenhuma delas surtiu algum efeito prático.
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Como escrever, matar e publicar [Vencedor do Wattys2020]
Mistero / Thriller(LIVRO COMPLETO) | VENCEDOR DO PRÊMIO WATTYS2020 | Categoria: Mistério & Suspense Do que você seria capaz para publicar seu livro? O jovem escritor, Micael - consumido pela ambição de ter seu livro aceito pela editora-chefe da Hora de Ler -, aparece...