44. Rodrigo

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DIA DOS CRIMES

21/02/17 – terça-feira, 20h29

Estavam ferrados de qualquer maneira mesmo, portanto, o acordo de cumplicidade foi digno de um "Sim" no altar. Restava agora agir como dupla, embora tentassem de todo jeito convencer um ao outro que não tinham nada a ver com aquela merda toda. Seguiriam desconfiados; desacreditados, porém, no fundo, sabiam que não enganavam ninguém. Estavam até o gargalo envolvidos no pandemônio.

— Preciso confiar em você, e você precisa confiar em mim — sugeriu Rodrigo, recuperando a voz. Precisava, se sobressair. E já que havia funcionado o acordo de cumplicidade com Norberto anteriormente — afinal, ele ainda estava vivo para fazer mais cagadas ainda — poderia funcionar também, porém, a sorte seria generosa de novo?

Sob sua perspectiva, resultado de uma análise expressa, Micael parecia alguém suscetível em ser persuadido. Por isso, Rodrigo assumiu a pose de controlador com intuito de tomar as rédeas da situação.

— Eu acredito que não foi você que matou seu amigo, OK? — mentiu ele. — E eu não vim aqui com esse intuito, eu juro — mentiu de novo. — Eu vim apenas para ameaçá-lo, confesso. Norberto já não saia da minha cola, não me deixava em paz... e eu acabei prometendo isso a ele.

— Conte mais detalhes... Você sabia de tudo que andava rolando?

— Aham — respondeu Rodrigo, sem ter certeza se realmente sabia. — E sei também que, se a gente não fugir daqui logo, as coisas irão feder para o nosso lado. Vai ser feio!

Rodrigo conseguiu do outro um aceno positivo de cabeça, porém, fraco, hesitante, cheio de dúvidas. Beleza! Por onde começar?

Rodrigo, não perdendo sua artimanha, e sempre querendo ganhar vantagem, perguntou:

— Eu imagino o choque que você levou quando... quando se deparou com essa... essa, essa atrocidade. Me diga, o que foi que você fez para estar naquele estado em que o encontrei aqui?

— Como assim?

— Sujo de sangue.

Micael desviou o olhar, como quem se envergonha por algo e, repousando os olhos na camiseta molhada, disse:

— Eu... eu, sem querer, esbarrei em Nico.

— Esbarrou? — zombou Rodrigo, não segurando a incredulidade. — Parece que você abraçou o cara no chão.

— Eu... Eu fiquei desesperado. Quando eu cheguei e vi... Q-quando eu cheguei e vi Nico assim, eu...

Três segundos de balbucias.

— Ahm...?

— Eu tentei tirar...

— Tirar...?

— Tirar... — Ele indicou a faca cravada no peito do amigo.

— Espera aí, você subiu no morto e tentou remover a faca?

Como um criança sapeca pega de surpresa riscando a parede da sala, Micael assentiu.

— Não posso acreditar... Mas, OK, vamos lá... Então, suas impressões digitais estão ali. — Tinha uma mão na cintura e a outra apontando ao peito de Nicolas.

O silêncio se estendeu com a conclusão óbvia.

Talvez algum especialista em comportamentos pudesse corroborar com a atitude de uma pessoa que iria de seu estado "normal" ao colapso nervoso a ponto de se debruçar sobre o corpo da pessoa amada e tentar retirar a faca do peito.

Como escrever, matar e publicar [Vencedor do Wattys2020]Onde histórias criam vida. Descubra agora