61. [Jornal Hoje]

215 74 12
                                    

4 DIAS DEPOIS DOS CRIMES

Destaques do dia 25/02/2017

A típica trilha sonora do Jornal Hoje ao fundo anunciava o início do telejornal no Brasil todo. Evaristo Costa e Sandra Annenberg se entreolharam e sorriram brevemente um para o outro.

— Olá, boa tarde — cumprimentou ele, primeiro.

— Boa tarde — emendou ela.

Com a câmera alternando entre eles, fizeram a abertura e escalada do dia:

— Sábado de Carnaval — Evaristo anunciou, sorrindo.

— Sábado de imprudência nas estradas. — Sandra contrapôs, séria.

Seguiram para uma chamada sobre a Polícia Rodoviária que estava aplicando multas em motoristas imprudentes que punham em risco outras pessoas no feriadão; depois migraram, rapidamente, para a notícia sobre o governo do Estado do Espírito Santo que fez acordo com as mulheres de PMs...

— ... e elas desocupam as entradas dos quartéis — informa Sandra.

Evaristo apareceu falando de mais de quatro mil Caminhões de carga atolados há dias na lama na BR 163. Em seguida: Sandra se encarregou de ler a chamada que faria os funcionários da Editora Hora de Ler sentirem seus peitos pressionados. Durou meros quatro segundos, e depois, a tensão foi engolida pelas amostras das coberturas do carnaval pelo Brasil, amenizando o destaque anterior com o som do enredo carnavalesco e a imagem de pessoas marchando fantasiadas nas ruas abarrotadas de gente sob um sol escaldante.

[...]

O telejornal seguiu com suas rápidas coberturas, até que, após as palavras da advogada da família revoltada e indignada de Eliza Samudio sobre a soltura do ex-goleiro Bruno Fernandes, Evaristo soltou a matéria que Sorocaba em peso estava esperando com grande apreensão:

— Um jovem funcionário de uma editora foi assassinado com um golpe de faca no peito, e ao que indica a apuração preliminar da perícia, o autor do crime cometeu suicídio logo em seguida. Os fatos ocorreram na noite do dia vinte e um de fevereiro em Sorocaba, no interior de São Paulo. E só agora a polícia tornou pública a apuração prévia do caso.

Apareceram imagens de viaturas com seus giro flex acessos pintando de azul e vermelho o que as luzes alcançavam. Havia um grupo de curiosos cercando um dos blocos do CDHU e policiais realizando o isolamento do local com faixas e cones para iniciar as investigações. Na tela: um letreiro menor exibia a data das imagens: 21/02/2017; e o maior ia direto ao ponto: HOMICÍDIO SEGUIDO DE SUICÍDIO É REGISTRADO EM SOROCABA.

As imagens correram com a voz de fundo do jornalista encarregado da matéria:

— O homicídio aconteceu na Zona norte de Sorocaba. Os vizinhos da vítima haviam suspeitado, inicialmente, de que se tratava de um crime passional: quando há uma paixão doentia e a pessoa perde o controle de suas ações. O jovem foi encontrado morto na sala do próprio apartamento apunhalado no peito com uma faca comum. O principal suspeito é o patrão da vítima. Segundo o que aponta o inquérito policial, Norberto Decovar teria o matado, e, em seguida, tirou a própria vida em outro local: sua própria gráfica. — Pausa para os telespectadores digerirem. — Ontem falamos com o delegado encarregado do caso.

Apareceu o delegado dizendo, com certa dificuldade de dicção, como se estivesse com preguiça ou ocupado e apressado demais para dar a entrevista, dentro de sua sala no DP da seção de homicídios, as seguintes palavras evasivas:

— A princípio a gente pôde constatar que foi um homicídio seguido de um suicídio, mas isso está sendo apurado, e durante a decorrência dos procedimentos do Inquérito Policial, estamos realizando mais coletas de provas, e também: juntando provas testemunhais. Também estamos colhendo depoimentos das principais pessoas supostamente envolvidas no caso. A apuração da informação inicial que a gente teve está se mantendo, mas ainda deverá ser confirmada por completo dentro do procedimento investigatório.

O jornalista, muito jovem por sinal, apareceu segurando seu microfone como manda a oratória — num ângulo de 45º graus e a uma distância quase que milimetricamente calculada —, dizendo outras frases para complementar e dar liga à fala insossa do delegado, deixando a matéria mais interessante para o público, como se fosse um miniconto:

— As informações recebidas por nossa equipe de reportagem, apontam que o sócio da Livros Hora de Ler que comandava a gráfica junto com sua esposa: a editora Mariane Decovar, mantinha um relacionamento homossexual com o funcionário da editora em segredo. Segundo as mensagens de celular entre os dois, as quais obtivemos acesso exclusivo, a situação começou quando Norberto quis acabar com o relacionamento secreto e, a vítima, Nicolas Maviti, não aceitando a separação, ameaçou revelar a verdade à esposa dele. As mensagens são de ameaça de morte. Aparentemente, sentindo-se bastante ameaçado por Norberto, a vítima decidiu pedir socorro para seu melhor amigo, este que, no depoimento prestado à polícia, disse que viu o pedido de socorro e, quando chegou ao apartamento do amigo, já era tarde demais, pois, Nicolas havia sido calado... para sempre. — Agora imagens da fachada da Editora Hora de Ler era exibida na tela, panoramicamente. E a voz do jornalista continuou no fundo: — Segundo o relatório preliminar da perícia, foi usada uma faca para dar cabo a vida de Nicolas na sala do seu próprio apartamento. Logo depois, o suspeito do crime, supostamente deixou o apartamento da vítima e rumou para cá, onde cometeu suicídio, usando uma arma de calibre .38., dentro do almoxarifado da gráfica.

Vídeos curtos em transição mostrando os dois locais onde ocorreram os dois crimes estampavam a tela em sequência enquanto o jovem jornalista dava suas últimas palavras e repassava a atenção dos brasileiros aos âncoras:

— Procuramos a esposa e proprietária da editora para maiores esclarecimentos, mas a mesma não quis conceder entrevista. Aguardaremos as próximas apurações da polícia... Sandra, Evaristo.

Como escrever, matar e publicar [Vencedor do Wattys2020]Onde histórias criam vida. Descubra agora