22. Norberto

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6 MESES ANTES DOS CRIMES

Norberto foi juntando os tomates picados e o cheiro-verde numa vasilha e despejou nela um potinho inteiro de extrato de tomate. Jogou o cubinho de caldo de camarão sobre a mistura.

Xingou-se mentalmente, havia esquecido de triturar o tempero no formato de dado, e agora, no meio da gororoba vermelha, ele tinha que dar um jeito de esfarela-lo.

Bom, o pequeno deslize não iria arruinar seu prato.

Com cuidado, e com mais força, ele conseguiu dar fim ao cubo e mexeu toda a massa, voltando a se orgulhar do trabalho. Havia ficado bonita a misturança. A consistência atingiu o esperado. Porém, na sua receita mental, havia a necessidade de adicionar um pouco de água para dissolver melhor o caldo e deixar o molho um "tiquinho" mais ralo.

Ele adicionou a água na medida certa e mexeu até obter a homogeneidade desejada. Os pedacinhos de tomate e "os verdinhos" deram um toque especial.

Não foi o calor da cozinha o responsável pela suadeira. Tinha uma bica na sua testa. Mas por quê, se a receita estava seguindo perfeitamente?

Jogou o molho sobre os camarões fritos e já sequinhos na frigideira. Banhava-os.

Norberto era perfeccionista e delicado no seu momento gourmet.

Observou os camarões descansando, suavemente, na banheira escaldante. Dentro de cinco minutos estariam no ponto certo.

Com atenção verificou o nível do fogo. Estava baixo, assim como as regras pediam.

Ignorando o fato de ter sido ignorado por sua esposa, ele atentou-se em retirar o arroz da primeira panela utilizando um garfo para deixá-lo soltinho.

Pronto. uma das etapas estava concluída. O arroz já estava no "chiquetoso" recipiente cerâmico decorado, e agora, toda a sua atenção estaria voltada ao camarão. Mas é claro que eles poderiam esperar por mais uma mensagem. E foi o que Norberto fez antes de desligar o fogo.

"Não vai nem agradecer pelo banquete q tô fazendo pra vc?????"

O exagero de pontos de interrogação foi por impulso.

Ele esperou pela resposta que não veio, pois neste momento, não sabia (e nem teria como), May estava tendo seus seios espremidos por um filhodaputa e sendo levantada como um saco de lixo do assoalho do carro.

A testa dele enrugou.

Bom, os camarões...

Ele largou o celular no balcão achando estranho o fato de May nem ter visualizado as mensagens anteriores, sendo que já era para ela ter finalizado o trabalho na editora e estar vindo para casa.

Desligou o fogo. Quase se queimou ao despejar os camarões ao molho sobre o arroz. Soltou um "Putaquepariu" nervoso.

Jogou a panela na pia, fazendo barulho e, antes de pegar os talheres para misturar, ele decidiu desbloquear mais uma vez o celular com intuito de verificar se havia alguma falha de conexão com a internet.

Porra, ela recebeu.

— Me responde! Caralho, meu.

Quando a tela se apagou sozinha, ele voltou ao seus afazeres.

Ela deve ter zarpado do trabalho sem ao menos olhar o celular. Deve ter sido isso. Fora que deve estar um trânsito infernal nessa hora.

Colher e garfo uniam as duas partes principais da receita. O risoto cheirava, maravilhosamente bem, no entanto, a boca de Norberto parecia anestesiada, seca, sem água.

Quase pronto. Faltava só decorar com alguns camarões grelhados... Ah, merda! Esqueci de reservar! Percebeu que a preocupação lhe tomava o fôlego. Sentiu-se desorientado.

Ok, não era o fim do mundo. Já que esqueceu dos camarões grelhados ele salpicou algumas folhinhas de coentro sobre o prato e o finalizou.

Nada dela chegar esbaforida.

Ele decidiu ligar.

Vou fazer você comer até enjoar!

E seguindo o protocolo de pessoas desaparecidas, ela não atendeu.

Norberto estranhou ainda mais.

Era atípico. Já era para ela estar em casa. No mínimo era para ter avisado que ficaria até mais tarde, ou ter pelo menos visualizado as três mensagens.

Por que não atende, cacete?

Caixa postal.

Ele desligou.

May sempre o atendia, mesmo que estivesse no banheiro no meio de um "número dois".

Merda, cadê você?

O risoto esfriava na mesa.

Como escrever, matar e publicar [Vencedor do Wattys2020]Onde histórias criam vida. Descubra agora