DIA DOS CRIMES
21/02/17 – terça-feira, 19h12
Norberto se jogou no sofá depois de May sumir atrás da porta. Não correu atrás dela, esperando que aquilo não durasse muito tempo. Levou as mãos à cabeça e refletiu. Era óbvio que esse dia chegaria. Esconder uma vida dupla por muito tempo era quase impossível, mais ainda quando o desejo de fazer sexo com outro homem vinha de sua essência.
Sua cabeça negava algo. Encrespou os lábios e manteve os olhos fixos na parede da sala; desejou poder projetar seus próprios pensamentos nela com o objetivo de tornar mais fácil o entendimento sobre como tudo havia chegado naquele ponto.
A certeza era uma: May sabia que ele a traía. Já estava ciente que não seria perdoado por isso e o resultado seria um divórcio seguido de um escândalo denegridor de sua reputação.
Pensar nas consequências torna a palavra "suicídio" mais palpável. Contudo, ao invés de dar um tiro na própria cabeça, ou se jogar da janela do apartamento, ou cortar os pulsos como um adolescente gótico, ele decidiu pensar mais profundamente sobre sua situação para evitar de cometer qualquer coisa absurda e sem sentido. Como é que ela sabe? Estreitou os olhos quando a voz da consciência — ou da desgraça —, o respondeu, e gritou para o quadro da sala:
— Desgraçado! Nicolas abriu a boca!
Subitamente, Norberto levantou-se e sacou o celular do bolso. Antes de a marca da sua bunda no sofá macio desaparecer, ouviu Nicolas dizer, ao atender de prontidão:
— Oi, chefinho.
— O que você fez, idiota?! — gritou Norberto, pressionando o aparelho contra o rosto.
— Ahm? Como é que é? O que foi agora, você enlouqueceu?
— Sim! Enlouqueci!
— Uou! Preparo uma pipoquinha para ouvir você me contar como é que essa história aconteceu?
— Ela sabe!
— "Ela sabe"?
— Sim, ferrou tudo!
— "Ela sabe" o quê? Do que você está...?
— May, porra! Ela sabe agora! Ela sabe sobre nós dois!
Pelo jeito, Nicolas precisou de uns cinco segundos para ser capaz de organizar os pensamentos e entender a pressa e a fúria nas palavras gritadas do homem. No entanto, como se ele tivesse feito de propósito para irritar Norberto, perguntou:
— Ela sabe sobre nós dois?
— Caralho, meu! Acabei de dizer, Nicolas! Está demente? Ela sabe! Já era, acabou a palhaçada!
— Palhaçada? Calma aí, está chamando nosso relaciona...
— Relacionamento, é o caralho, Nicolas! Não percebeu a cagada que nós nos metemos? Não caiu a ficha ainda?
Demorou mais alguns segundos para Nicolas recuperar a voz.
Norberto percebeu que havia magoado o seu jovem amante, porém, não estava com cabeça para pensar em palavras mais leves com intuito de amenizar o problema.
— Vou explicar melhor, OK? — Norberto respirou profundamente, segurando a testa com o polegar e o indicador da outra mão. Abordaria Nicolas de outra forma, já que estava atrás de uma confissão. — É o seguinte: Já tem um tempo que eu e ela estamos nos estranhando, como eu já havia falado para você, lembra? Desde a PAPGRAF. — Nicolas não disse nada — Bom — retomou ele —, pois então, estava ficando insuportável a convivência. Não sou tolo, percebi a desconfiança dela. Fiquei na minha, esperando que a rebeldia dela passasse. — Ele fez uma pausa, mudou o celular de orelha, suspirou e prosseguiu com o desabafo: — Mas ela não melhorou. Continuou estressada e me evitando. Não teve sexo desde que chegamos de São Paulo. — Mais uma pausa. — Está entendendo aonde eu quero chegar?
Nicolas se demorou, mas respondeu:
— Sei. Provavelmente ela desconfiou que poderia ter acontecido alguma coisa lá.
— Exatamente! — exclamou Norberto, quase cuspindo. — Na segunda-feira mesmo, depois do nosso final de semana em São Paulo, ela havia passado mal, se lembra? Nem foi trabalhar. Porém, agora, tenho mais certeza: ela estava mentindo! Ela queria ficar em casa! Não quis trabalhar naquele dia, estava toda estranha. E foi a partir desse dia que ela começou a ficar mais esquisita ainda. Eu deveria ter desconfiado, mas nem passou por minha cabeça, aliás, não tinha o porquê de me preocupar, não é mesmo?, já que May achava que eu estava tendo algum rolo com Laura...
Nicolas questionou com a voz amargurada:
— Mas ela disse exatamente que sabia sobre nós? — Ele deu ênfase no "nós". — Ela tocou no meu nome?
Agora foi a vez de Norberto hesitar. A mente dele levou alguns segundos para processar a briga. O diálogo havia sido curto, contudo, ele se lembrou das partes mais importantes.
— Norberto? — chamou Nicolas, por causa da demora.
— Você tem razão...
— Como assim?
— ...
— Diga, fale logo!
— Pensando bem, ela disse apenas que sabia que eu a traí...
— Você a "trai" — corrigiu o rapaz, trazendo o verbo para o presente.
— Deixe-me pensar... Até então eu...
— Até então, você...?
Sem medo de magoá-lo com a calúnia, Norberto soltou:
— Eu pensei que você havia feito alguma merda.
— Espera aí. Está me dizendo que você desconfiou que eu contei algo a ela?
— E de que outra forma ela saberia?
Do agudo para o grave:
— Eu... não... estou... acreditando! — disse, indignado. — Você realmente pensou que eu seria capaz de ferrar com você?
— Eu... Bom, o que você acharia na minha situação?
— Caramba, Norberto! Era sua chance para se redimir e pedir desculpas para mim. Não sou cuzão, não! E agora você vem do nada, me caluniando, depois de tudo... tudo o que rolou... — A frase morreu no ar.
Agora Nicolas está parecendo May. Eu mereço!
— Olha, esquece, tudo bem? Eu estou perdido aqui. Acabei de ter uma puta briga séria com ela; nem sei para onde diabos ela foi. Saiu daqui como uma desvairada, preciso saber aonde ela foi, antes que ela faça alguma besteira.
— Eu não prejudicaria você... — disse Nicolas, como se tivesse tido um delay.
— Eu sei — cortou Norberto, com falsa compreensão. Naquela altura ele jamais colocaria as mãos no fogo por mais ninguém. — Mas agora você fez eu perceber uma coisa da qual não havia me ligado antes. Talvez May não saiba que nós dois tivemos um caso.
Nicolas suspirou.
— Tudo se resumiu a um mero caso?
— Nicolas, pelo amor de Deus! — repreendeu Norberto. — Não haja feito mulherzinha agora, porra!
— Vai se foder!
— Eu achei que você tivesse me traído!
— Ah, é? Assim como sempre fez com sua esposa querida? — ironizou Nicolas. — Olha, cara, você mereceria mesmo que eu tivesse acabado com você. Mas quanto a isso, fique em paz, não contei a ninguém — mentiu Nicolas, e como se tivesse que se corrigir, elaborou melhor a sentença: — Eu não contei nada para May!
Mais uma pausa. Dois suspiros longos. Um de cada lado.
— Beleza, OK! Está certo... Uma parte do problema está resolvido. Vou tentar acreditar em você.
— Tentar? Você é mesmo um pau-no-cu, não é?
— 'Tá, 'tá, 'tá... Tudo bem. Falha minha. Eu VOU acreditar em você... Eu acredito em você, beleza? Já sei, não foi você quem contou. Já entendi. — Norberto achava que a repetição ia mesmo encobrir sua desconfiança. Talvez estivesse repetindo para si mesmo, como um mantra, a fim de acreditar de verdade. — Agora resta saber como ela descobriu.
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Como escrever, matar e publicar [Vencedor do Wattys2020]
Mystery / Thriller(LIVRO COMPLETO) | VENCEDOR DO PRÊMIO WATTYS2020 | Categoria: Mistério & Suspense Do que você seria capaz para publicar seu livro? O jovem escritor, Micael - consumido pela ambição de ter seu livro aceito pela editora-chefe da Hora de Ler -, aparece...