DOIS MESES ANTES DOS CRIMES
16/12/16 – sexta-feira, 14h03
Desde a metade de novembro as decorações natalinas faziam parte do ambiente. O clima na editora se tornou mais amistoso, como em todo fim de ano, e isso ajudou Nicolas a espairecer um pouco; para falar a verdade, ele já estava desistindo de confortar o amigo melodramático e decidiu tomar as rédeas de sua própria vida, afinal, estavam a uma semana do recesso e havia bastante trabalho a fazer, e claro, deixaria tudo em ordem para fazer jus ao aumento de salário concedido por Norberto. Desconhecia o motivo, porém, esse fato o deixou bastante curioso. Mesmo assim, preferiu fugir da ilusão. É apenas coisa da sua cabeça!
Neste dia típico de expediente, desceu pela enésima vez as escadas até o almoxarifado portando algumas fichas presas na presilha da prancheta. Dia 20 estava chegando e ele tinha a missão de fazer a contagem dos materiais. Precisariam repor o estoque ou dava para aguentar até a próxima grande compra no início de 2017?
O rapaz carregava no bolso o seu "lenço-de-contagem". O almoxarifado até que era um ambiente arejado e limpo, porém, as partículas de pó traziam o inferno ao seu nariz, a rinite fazia uma festa nasal de arrombar.
Ao entrar entre as duas prateleiras onde ficavam os papéis cartão (utilizados na impressão das capas dos livros), ele espirrou com vontade contra sua vontade, entretanto, deixou o lenço para mais tarde quando a coisa piorasse e seus os olhos estivessem vermelhos e lacrimosos. Num dos espirros indiscretos dele, uma voz surgiu e lhe desejou: "Saúde". Ele conhecia muito bem aquela voz vinda de surpresa.
— Ah, obrigado. — Ele largou a prancheta e pegou o lenço. Esfregou no nariz. — Sabe como é. Rinite alérgica.
— Vou demitir a faxineira — disse Norberto, entrando no corredor e sorrindo.
Nicolas arregalou os olhos ao invés de sorrir da piadinha do patrão. Havia virado pedra.
— Estou brincando, Nico.
"Nico". Norberto o chamou pelo apelido e isso fez suas bochechas ruborizarem.
— Ah, sim. Entendi. Claro. — Desviou os olhos, procurando a prancheta, perdido.
— Está fazendo a contagem?
— É. Estou — disse Nicolas, enfiando o lenço umedecido no bolso. — E lutando contra a alergia também. — Recuou um passo, sem jeito.
— Entendi — comentou Norberto, fitando o rapaz e se aproximando. Nicolas olhou para todos os lados evitando olhar para Norberto. — Caso precise de uma mãozinha é só falar, Nico — repetiu o apelido.
Nicolas encontrou a prancheta, ou melhor, o foco de seus olhos resolveram (Muito bem, obrigado!) se ajustar. Ele agradeceu a ajuda, mantendo o olhar fixo no objeto. A conversa parecia ter acabado, mas aí veio a surpresa:
— Olhe aqui para mim. — Uma ordem.
— Ah, desculpe... Mas, o senhor não precisa me ajudar. Eu vou me virando aqui.
— Bom, na verdade não seria exatamente eu a ajudar você. Eu estava pensando em chamar alguém. — Norberto gargalhou.
Nicolas: bochechas rubras, até seus lábios avermelharam-se.
— Ah, verdade, foi mal, até parece...
— Estou brincando de novo, garoto! — falou Norberto, divertindo-se em deixar ele sem jeito.
Sorriu por pressão. Um sorriso amarelo. Oh, God! Por que ele está fazendo isso comigo? Estou ficando doidinho. Resgatou a prancheta, como se necessitasse se agarrar em algo. Segurou-a firme e foi possível notar a tremedeira através dela.
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Como escrever, matar e publicar [Vencedor do Wattys2020]
Mystery / Thriller(LIVRO COMPLETO) | VENCEDOR DO PRÊMIO WATTYS2020 | Categoria: Mistério & Suspense Do que você seria capaz para publicar seu livro? O jovem escritor, Micael - consumido pela ambição de ter seu livro aceito pela editora-chefe da Hora de Ler -, aparece...