43. Rodrigo

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DIA DOS CRIMES

21/02/17 – terça-feira, 20h25

A cena demorava para se desenrolar, e eles não tinham todo o tempo do mundo. A pia transbordando. Perguntas suspensas no ar...

"Você não pode contar para ninguém o que viu aqui!"

Rodrigo tentou manter o rapaz distante com seus olhos fuziladores enquanto lutava para organizar suas ideias. Precisava entender aquela loucura.

Primeiro, seu cérebro aguçou o olfato e ele detectou (novamente) o cheiro forte do sangue. Depois, sua visão gravou o rapaz, altamente nervoso, sem camiseta dentro do banheiro. Seus ouvidos captavam o som da água jorrando da torneira. Mais ao fundo, fotografou a camiseta ensopada, igualmente manchada em tons róseos sobre a tampa do vaso sanitário. E atrás dele "sentia" a presença do corpo sem vida.

As sinapses foram claras: "Este homem matou Nicolas. Está tentando se lavar e vai fugir."

Os cinco sentidos estavam a toda, até o paladar havia se aguçado. Rodrigo sentiu o gosto da saliva salgada e grossa antes de engoli-la. Quanto ao tato, suas mãos formigavam dentro das luvas, como se um exército de formigas marchassem ali dentro.

Merda, o que é que eu vou fazer agora?

Rodrigo pigarreou contra sua vontade, mas foi necessário. Depois de limpar a garganta se pronunciou primeiro, interrompendo a brincadeira da vaca-amarela:

— A pia.

"A pia"?

— Ah — disse o outro jovem, pingando água pelos cotovelos, e suor pelo corpo todo. Desconectando os olhos dos de Rodrigo. Retornou à realidade e, atrapalhado, conseguiu fechar a torneira. O barulho da água corrente cessou. Agora: o gotejar. A pia babava, mas avisou que logo, logo cessaria e passaria a palavra aos dois.

Não queriam, mas era preciso dialogar.

A súplica continuava suspensa na atmosfera: "Você não pode contar para ninguém o que viu aqui!" Acredite, eu não quero contar o que eu vi aqui para ninguém! Contudo, Rodrigo queria entender. E, como se o corpo estirado ali representasse o mesmo que nada, e ignorando a palavra "assassinato" pairando sobre suas cabeças, ele perguntou ao desconhecido:

— Como sabe o meu nome?

— Eu... Olha, eu... — O rapaz parecia engasgado, encurralado dentro do cubículo. — Você não me conhece, mas eu...

— Anda logo! Quem é você? Como é seu nome? — cortou Rodrigo, dando à conversa de bar um tom mais sério, imitando, o melhor que pôde, um mafioso. Entretanto, sua pose de "fodão" logo se desfez quando o olhar questionador do rapaz pairou em suas luvas pretas. Sem notar, num movimento involuntário, ele escondeu, desnecessariamente, as mãos, jogando-as para trás.

Aquela combinação de gestos e expressões foram suficientes para o outro ganhar pontos e dar um passo à frente. Manteve-se cauteloso. As mãos estendidas e espalmadas, pedindo calma e tempo, dizendo ao cão raivoso: "Amigo, amigo".

O cão rosnou, assustando-o:

— Não se mova! Se tentar algo contra mim... Está avisado! Fique aí! — O rapaz paralisou ainda dentro do banheiro minúsculo. — Quem é você? Diga logo, porra!

Hesitante, o rapaz respondeu:

— M-micael.

Rugas estriaram a testa de Rodrigo. O nome não soou estranho, pareceu familiar.

Como escrever, matar e publicar [Vencedor do Wattys2020]Onde histórias criam vida. Descubra agora