DIA DOS CRIMES
21/02/17 – terça-feira, 20h00
Rodrigo saiu às pressas, não para cumprir a missão, mas para sair da mira daqueles olhos verdes ameaçadores.
Precisava pensar, mas o esforço para encontrar uma solução falhava, como se o diabinho em seu ombro esquerdo o condicionasse: "Obedeça e fique livre de Norberto de uma vez por todas! É sua grande chance!"
Ninguém em sã consciência aceitaria tal proposta, contudo, Rodrigo estava em choque, abalado demais e desprovido de inteligência para bolar algo contra Norberto.
Havia outro meio de sair daquela situação perturbadora. Claro que tinha! Mas qual?
Acomodado no carro, socou o volante várias vezes. A buzina reclamou em duas delas.
O desespero não o deixava se recompor..
O painel mostrava: 20:00. Mais um soco. Mais uma buzinada.
Um dos guardinhas saiu da guarita e foi na direção do seu carro no estacionamento de visitantes.
Merda!
Quando o homem se aproximou, meio torto, inclinando-se para o lado, tentando ver dentro carro, Rodrigo obrigou-se a sorrir.
— Está tudo bem, senhor? Precisa de ajuda?
— Oi, sim, estou bem. É que eu estava testando a buzina aqui. Havia parado de funcionar, então, estava testando. Olha só, voltou a pegar — buzinou duas vezes. Píí, píí. — Viu?
— Poxa... bom — o guarda não havia se esforçado para mostrar entusiasmo.
— Pois é — comentou Rodrigo. — Bom, é isso.
— Hmmm. Está certo. Então, estou voltando para lá. Ok?
— Certo. Certo. — Rodrigo limpou a gota de suor da testa. — Obrigado, e boa noite.
— Boa noite — disse o senhor, dando duas batidinhas na porta do carro como se precisasse certificar-se de que o veículo era real.
— Bom trabalho, senhor.
— Obrigado. Para você também, jovem.
Vou precisar, pensou Rodrigo, esquentando a chave na mão.
Rodrigo sentiu-se protegido dentro do carro, apesar da tensão. Olhava para todos os lados, como se Norberto fosse aparecer de repente colado ao vidro da janela igual acontecia nas cenas jumpscare dos filmes de terror. Sua imaginação só estava atrapalhando, sentia-se impotente, incapaz de raciocinar. De certo modo estava cego com a recompensa... Libertadora.
Fazia tempo que não desfrutava da liberdade; desde que fora descoberto por Norberto nunca mais pôde dormir em paz. Trabalhar tornara-se doloroso; sua pele ardia quando via Norberto zanzando pela editora; seu corpo tremia quando os olhos verdes dele eram lançados sobre si. Toda vez saia do recinto quando Norberto chegava, inventando desculpas. Isso acontecia, na maioria das vezes, quando Rodrigo estava perto de May ou conversando com ela. Norberto estava sempre em seu encalço, estudando suas atitudes.
Eu preciso me livrar desse viado desgraçado!
Parou os punhos no ar, a centímetros do volante. Sem bancar o idiota de novo! A mão direita era como um molde industrial que dava formato à chave.
Rodrigo sempre soube que a hora de pagar sua dívida chegaria, só não tinha imaginado que o preço seria muito alto.
Suando em bicas, depois de alguns minutos, rendeu-se. Ele próprio havia tido a coragem de destruir sua chefe e de desbancar a editora na qual trabalhava. Rodrigo havia sido cruel. Norberto tinha motivos para metê-lo numa enrascada sem tamanho como aquela. No fim das contas, o preço parecia justo.

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Como escrever, matar e publicar [Vencedor do Wattys2020]
Mistero / Thriller(LIVRO COMPLETO) | VENCEDOR DO PRÊMIO WATTYS2020 | Categoria: Mistério & Suspense Do que você seria capaz para publicar seu livro? O jovem escritor, Micael - consumido pela ambição de ter seu livro aceito pela editora-chefe da Hora de Ler -, aparece...