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18 DIAS ANTES DOS CRIMES

03/02/17 - sexta-feira, 18h37

Com seus mais de 650 mil habitantes, chamar Sorocaba de sítio ou um município rural era uma ofensa. A cidade estava cada vez mais fadada ao cinza das metrópoles. A poluição já podia ser inalada do Rio Sorocaba. O trânsito era o "inferno" porque de uns anos para cá, todo sorocabano decidiu ter seu próprio carro.

Um desses carros principiou sua jornada na Avenida Barão de Tatuí — a qual ligava o Centro ao bairro nobre da zona sul, chamado popularmente de "Campolim" — e enfiou-se num engarrafamento na Rua da Penha — o coração do consumismo e onde as classes C e D faziam o comércio girar mesmo diante da crise econômica e desemprego, — e depois disso se arrastou entre as fileiras de outros carros tão apressados quanto ele, na inacabável subida da Rua Comendador Hermelino Matarazzo.

O veículo andava ansioso como a condutora. Havia sofreguidão, mas o "acelera-e-para" fazia parte da rotina. Horário de pico. As ruas pareciam lombrigas congestionadas. E o trânsito caótico continuou até o veículo embicar para o posto de combustível do Carrefour. A ansiedade da condutora cresceu por causa da fila de veículos entrando no supermercado.

O automóvel parou numa das cancelas, o vidro elétrico desceu, um braço se projetou para fora. O dedo indicador em riste acionou o botão da cancela. O sistema automático cadenciado. mandou a cancela subiu feito uma lesma, como se o mecanismo funcionasse em câmera lenta justamente com o objetivo de ganhar tempo, possibilitando a captura de imagens pela câmera de segurança. Depois disso, o carro passeou duma extremidade à outra até chegar próximo à bendita pista de caminhada. Fez a curva e estacionou perto de uma das entradas de pedestres, na qual Micael estava sentado na guia.

May o avistou com seus olhos de águia. Ansiava por resolver aquilo logo. Bateu com força a porta do carro.

Segurando folhas de papel grampeadas, ela se aproximou dele e disse:

— Aqui estou. Vai logo. De pé. E desembuche tudo de uma vez.

O rapaz a cumprimentou com falsa polidez.

Ela ignorou e advertiu:

— Anda logo, rapaz!

— Tenha calma — pediu Micael, cáustico e seguro bancando o dono da situação. — Você demorou demais.

— Acha que tenho tempo para suas brincadeirinhas? — May chacoalhou as folhas diante do nariz dele. — Aqui está a merda do contrato de publicação. — O rapaz esticou o braço para pegar, entretanto, ela puxou para si de novo e informou: — Só quando você me contar tudo.

— Tudo bem — disse ele, sorrindo, mas era um sorriso duvidoso, afinal estava prestes a transpor uma barreira sem volta por conta do seu egocentrismo.

— Ótimo, sem rodeios. Quem tirou aquela foto? — A pergunta principal era outra, com certeza, contudo um sistema de autodefesa evitou-a de ir direto ao ponto. No final das contas, ela mesma percebeu-se meandrosa. Policiou-se com os níveis de ansiedade. Inspirou com tremor.

— Fui eu mesmo que tirei a foto.

— Quando foi isso? — May cruzou os braços com cuidado, evitando amassar as folhas e espiou todos os lados, demonstrando receio em ser flagrada. Aquele encontro nunca aconteceu!

— Foi anteontem, à noite... Quero ver o contrato.

— Já disse, depois! — May descruzou os braços trêmulos. — Você sabe quem é a biscate, né?

— Olha, May...

— Nem pense em me fazer de otária! — Voz embargada. — Você sabe quem é. Diga!

Como escrever, matar e publicar [Vencedor do Wattys2020]Onde histórias criam vida. Descubra agora