Capítulo 1 (revisto)

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                                                                                          Kora


Acordei outra vez no chão, consequência de ter tantos pesadelos. Mas desta vez foi pior, estão a ficar mais fortes e mais frequentes, para não falar de intensos. Não sei o que os causa mas os meus pais disseram-me que não é normal os lobos terem esse tipo de perturbações durante muito tempo, normalmente só acontece antes da transição, e a minha já tinha sido a três anos. Tudo isto me preocupava, mas costumava dizer para mim própria que era tudo devido ao stress, pois os sonhos eram sempre os mesmos. Aparecem sempre dois lobos, um de pelagem cinzenta e outro de pelagem castanha, ambos de olhos azuis eletrizantes que me fixam longamente, e do nada, ambos começam a correr na minha direção com os seus dentes aguçados à mostra. E ai acordo, dominada pelo medo e a gritar, suores cobrem-me o corpo e a cama estava sempre desfeita, já ninguém me acode, os meus pais já estavam habituados a isto, assim como a minha irmã. Levanto-me do chão dorida da queda, e resolvo ir tomar banho para ver se o meu corpo relaxa, sinto a tensão acumulada nos meus ossos, resultado de uma noite mal dormida, demoro mais tempo do que preciso e mesmo assim continuo tensa. Termino frustrada e dirijo-me ao quarto da minha irmã mais nova para ver se já está acordada, Susie sempre foi uma madrugadora apesar de só ter oito anos, ela era a coisa mais precisosa para mim neste mundo e por isso tornei-me muito protetora, sabia que isso não era saudável para nenhuma das duas, mas é complicado pensar nisso quando vejo o seu rosto de anjo. Ando pela casa à sua procura, a nossa casa não era muito grande mas servia para as nossas necessidades e nós nunca quisemos mais. Susie tinha nascido aqui, nesta cidade, para ela tudo era normal porque ela não conseguia ver as coisas como nós, sabíamos que não pertenciamos aqui, que havia um lar lá fora, um verdadeiro lar. Dirijo-me ao andar de baixo da casa quando não a encontro em lado nenhum, mas oiço vozes desconhecidas vindas do escritório do meu pai o que me desperta a atenção fazendo-me esquecer momentaneamente dela. Não era costume recebermos visitas, aliás era muito raro, uma vez que não conviviamos muito com outras pessoas. Tinhamos fugido para a cidade longe da nossa alcateia e por isso Susie não se lembrava como era fazer parte de uma grande família onde podíamos contar com toda a gente por proteção, e isso era algo que eu lamentava terrivelmente, um lobo não é verdadeiramente feliz quando é solitário.

A porta do escritório encontrava-se entreaberta, tomei coragem e espereitei lá para dentro, mas não conseguia ver praticamente nada algo estava em frente à porta, ouvia vozes distintas mas não conseguia entender do que falavam. Eles sabiam que eu estava ali porque as vozes cessaram, silêncio reinou em toda a casa, era tudo muito estranho. Alguém abriu a porta e eu dei de caras com um grupo de homens que eu nunca tinha visto na minha vida, estavam espalhados pela pequena sala, os seus olhos cravados em mim, as suas caras sérias, todos estavam muito silenciosos, o clima era tão pesado que se eu deixasse cair uma agulha, o som seria como o de um martelo. O meu pai estava do outro lado do escritório sentado na sua poltrona atrás da secretaria de mogno mas nada disse, a minha mãe estava em pé ao seu lado e olhava para mim com uma profunda tristeza que eu não entendi.

— Kora, estávamos à tua espera — disse-me ele sempre atento à minha reação — Estes são membros do clã Dark Moon, e vieram aqui para nos escoltar de voltar, temos uma audiência com o alfa, parece que vamos voltar.

Nesse momento o meu mundo caiu, não podíamos voltar, não depois de tudo o que aconteceu. Eu sabia que os meus pais tinham fugido da alcateia em tempo de guerra para me salvar a mim e à Susie que ainda estava por nascer, isso por si só tinha sido um crime bastante grave para o alfa, o que nos manteve afastados dele durante oito anos. Eu sabia que ele nos poderia encontrar se quisesse, mas duvido que em tempos tempestuosos como aqueles ele tivesse tempo para o fazer, afinal ele estava na linha da frente da guerra. Fiquei surpreendida por ter demorado tanto tempo para isto acontecer, sempre soubemos que este dia iria chegar, mas nunca estamos verdadeiramente preparados para o dia em que vamos ser julgados.

Olhei para todos na pequena sala tentado perscrutar os seus rostos procurando alguma emoção que desvendasse o nosso futuro, não conhecia nenhum destes homens, nunca os tinha visto antes na minha vida, por isso quando vi os seus rostos com expressões duras e frias eu sabia que não tinhamos outra opção que senão ir com eles, e apartir desse momento a nossa vida não iria ser a mesma.

A Sombra de KoraOnde histórias criam vida. Descubra agora