Capítulo 26 Parte I

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Mika estava ao meu lado, tínhamos ficado aqui o resto do dia, apenas sentados agarrados um ao outro deitados no sofá, poucas palavras tínhamos proferido, os nossos toques tinham feito muito a preencher o silêncio que reinava, e nenhum de nós se tinha importado. Apoiei a minha cabeça no seu ombro e fitei-o. Tinha os olhos fechados, os seus lábios ligeiramente abertos num pequeno sorriso, a sua respiração calma enquanto a sua mão fazia pequenos movimentos circulares nas minhas costas. Não me mexi muito com medo de o tirar do seu transe, assim como eu estava no meu. Parecia que não existia nada lá fora, como se o mundo tivesse sido dissipado e só tivéssemos aqui nós os dois, o tempo não andava fazendo com o momento se tornasse eterno, ao menos era isso que eu queria, que este momento dissipasse todo o passado e me fizesse seguir em frente sem medos. Quando ele entrou aqui e falou abertamente para mim sabia que o assunto era sério, ele falava sem enigmas, sem filosofias, sem adivinhas. Tinha-se limitado a falar o que o seu coração mandava sem filtros, falava com olhos e movimentos desesperados o que me fez acreditar em tudo aquilo que me dizia. Sabia que no momento em que tinha dito que sim, para ele ficar, que algum tipo de acordo tinha sido estabelecido entre nós, eu não queria que ele se fosse embora apesar dos meus medos, e ele não queria deixar-me apesar das suas ânsias, acabámos por ficar por isso, um ao pé do outro, não sabia o que viria adjacente a tudo isto, afinal não tínhamos qualquer tipo de relação, mas sentíamos bem ao pé um do outro e por agora para mim isso bastava. Eu sabia que ele se esforçava para manter a distância e deixava-me ser eu a tomar a iniciativa das situações, ele não me queria assustar nem afastar-me e eu entendia isso, mas às vezes dava por mim a desejar conhecer o seu toque mais intimo, conhecer o seu corpo ao pormenor, conhecer mais dele e ele mais de mim.

-Pensativa? – Sussurrou baixinho para não me assustar.

Saindo dos meus desvaneios notei que os seus olhos escuros fitavam-me com curiosidade, tinha os olhos meio fechados de como quem ainda está a acordar de uma boa noite de sono. Apertei-o contra mim querendo sentir o seu calor mais perto do meu, o que era impossível, visto que já me encontrava deitada contra o seu corpo, e este gesto fez com que ele desse um suspiro profundo e enlaçasse as suas mãos nas minhas costas prendendo-me contra ele, sem nunca afastar o seu olhar do meu.

-Estava só a pensar em coisas minhas. – Não tinha coragem suficiente para lhe dizer tudo aquilo que ia na minha cabeça, parecia tudo demasiado confuso e sabia que se fosse expressar tudo por palavras ia sair tudo errado.

Ele limitou-se a abanar a cabeça, imerso em pensamentos, não me disse nada como se me quisesse incentivar a continuar a falar, ele estava a esforçar-se tanto e eu nem me apercebi disso antes, podia dar-lhe um pouco daquilo que ele me estava a dar também. Levantei-me de repente, ficando sentada no sofá em frente a ele, as pernas cruzadas e as mãos no meu colo. Ele cruzou as mãos em cima do seu peito, como se sentisse a falta do meu calor, e sorriu para mim, os seus dentes eram perfeitos e fazia covinhas na cara que o deixavam muito fofo.

-Está calor aqui? Estás a ficar vermelha – O seu sorriso cresceu ainda mais quando viu que eu ficava encavacada com as suas palavras, levantou as mãos em rendição quando eu ameacei atirar-lhe com uma almofada.

-Vamos tentar uma coisa, eu faço uma pergunta e tu respondes e depois tu fazes uma a mim e eu respondo, mas tens de me dizer sempre a verdade. – Queria conhece-lo um pouco melhor e nada parecia mais fácil do que lhe perguntar o que queria saber.

-Muito bem, a madame primeiro – Continuava deitado, o seu corpo relaxado perto do meu, tive de me conter para não esticar a mão só para estar em contacto com a sua pele.

-Bem...de onde és?

- Nascido e criado aqui, posso dizer que sou um menino da natureza. É a minha vez. Onde está a tua família?

-Bem... - Este era um assunto sempre muito sensível para mim, um que não estava à vontade para falar com qualquer um, e não estava à espera que ele fosse perguntar logo algo assim, esperava algo mais suave, mas respondi-lhe na mesma, afinal uma pergunta era uma pergunta – A minha mãe morreu quando tinha quinze anos e o meu pai nunca quis saber de mim, sem irmãos.

O seu rosnar fez-me saltar do sofá, não estava à espera da sua reação, o seu corpo ficou tenso de repente, as suas mãos apertadas em punhos apertavam o tecido do sofá, a sua cara estava transformada numa careta que fazia com que as suas presas saíssem de fora, os seus olhos mais brilhantes do que o normal. Apesar de assustada, sabia que a pessoa na minha frente ainda continuava a ser o Mika, o homem que me falavam com cuidado e que não me faria mal, respirei fundo para afastar os tremores que tinham tomado conta do meu corpo, e olhei para os seus olhos.

-Shh, está tudo bem – Devagar toquei-lhe na perna, querendo que ele se lembrasse de quem eu era e onde ele estava. Quase instantaneamente a sua respiração mudou, os seus olhos focaram-se em mim.

Sentou-se há minha frente, com as pernas fora do sofá, o seu peito quase encostado ao meu, encostou de leve a sua mão na minha cara e foi fazendo festas, era um toque suave como estivesse apenas a memorizar cada linha do meu rosto.

-Homens são estúpidos por vezes, como pode um pai abandonar uma filha, isso deixa-me com vontade de matar o homem. Eu vejo a tristeza que isso deixa em ti, vejo-o no teu olhar e na maneira como falas no assunto. Vejo que isso ainda te magoa, e que talvez ainda te rouba muito do teu tempo a pensar nos porquês de tudo isso. As mágoas da vida deixam sempre marca, mas eu quero dar-te lembranças felizes para tu pensares, momentos dos quais tu possas sorrir, e quero que sejam todos comigo, porque eu quero e sei que posso fazer-te feliz, e eu sei que tu queres ser feliz também. A maneira como olhas para mim e mordes o lábio mata-me...

-Eu não mordo... - Sussurrei para ele, mas ele limitou-se a continuar.

-Sim, mordes o lábio quando olhas para mim, e sei que pensas em nós, eu penso em nós, e eu nunca te vou abandonar, tu és minha e eu nunca deixo o que é meu, tu és parte de mim e eu de ti...

Não conseguia mais ouvir o que ele estava a dizer, estava cansada de pensar demais em tudo, de sempre pensar nas consequências daquilo que faço e por isso nunca faço nada, desta vez apenas deixei-me ir, e não pensei. Calei-o com um beijo, sei que o tomei de surpresa devido à sua falta de reação, mas ele depressa se recuperou. Os lábios moviam-se contra os meus com força, com desejo, com sentimentos à muito aprisionados dentro de nós os dois, deixámo-nos levar pelo momento não pensando em mais nada a não ser o movimento dos nossos corpos juntos. Quebrei o beijo apenas para dizer entre as nossas respirações alteradas:

-Espera, preciso de falar algo importante contigo Mika. Eu, eu quero isto, quero tentar, mas eu preciso de te dizer o que aconteceu, e se quiseres ainda ficar comigo, eu quero tentar. – Isto despertou a sua atenção, que parou de me dar beijos e me olhou sério, os seus lábios inchados.

Só esperava que ele me aceitasse depois de lhe contar tudo, a verdade pode magoar por algum tempo, mas eu esperava que me ele me pudesse perdoar, esperava do fundo do meu coração, que ele me perdoasse.

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A Sombra de KoraOnde histórias criam vida. Descubra agora