Impedí-lo

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Clarke  deixou que Catherine chorasse, embora soubesse muito bem que as lágrimas não iam lavar-lhe a ferida. Sabia, também, que ela não teria sido capaz de lidar com a situação por si mesma. Foi Lexa  que acalmou Elizabeth e Richard, e foi ela que ordenou ao robô doméstico que recolhesse a louça quebrada; foi ela que ficou segurando as mãos deles; e, quando achou que o momento era certo, também foi ela que sugeriu com delicadeza que pedissem um pouco de chá para Catherine.

Elizabeth foi buscar o chá ela mesma, e fechou cuidadosamente as portas da sala de estar antes de trazer a xícara para a cunhada.

- Aqui está, querida. Beba um pouco.

- Sinto muito. — Catherine colocou as mãos trémulas em volta da xícara, para aquecê-las. — Sinto muito. Eu achei que aquilo havia parado. Obriguei-me a acreditar que havia parado. Não podia viver, se fosse de outra forma.

- Está tudo bem. — Com o rosto sem expressão, Elizabeth voltou para perto do marido.

- Senhora DeBlass, preciso que a senhora me conte tudo. Deputada DeBlass. - Clarke  esperou pacientemente até que Catherine
conseguisse focar os olhos nela de novo. — A senhora compreende que esta nossa conversa está sendo gravada?

- Ele vai impedir você.

- Não, não vai. Foi por isso que a senhora me ligou, porque sabia que sou eu que vou impedi-lo.

- Ele tem medo da senhorita — sussurrou Catherine. — Tem medo, eu pude perceber. Ele tem medo das mulheres em geral. É por isso que as machuca. Acho que ele deve  ter dado alguma coisa para a minha mãe, algo que quebrou seu espírito. Ela sabia.

- A sua mãe sabia que seu pai abusava da senhora?

- Sabia. Fingia não saber, mas dava para ver em seus olhos. Ela não queria saber, queria que tudo fosse calmo e perfeito, para que pudesse dar as festas dela e bancar a esposa do senador. — Levantou a mão, fazendo um escudo sobre os olhos. — Quando ele vinha até o meu quarto à noite, eu podia ver no rosto dela, na manhã seguinte. Sempre que tentava conversar com ela, no entanto, para pedir que ela fizesse com que ele parasse, fingia que não sabia sobre o que eu estava falando. Dizia para eu parar de inventar histórias. Mandava que eu fosse boa, que respeitasse a família.

Abaixou a mão novamente, envolveu a xícara de chá com as duas mãos, mas não bebeu.

- Quando eu era pequena, aos sete ou oito anos, ele vinha à noite e ficava me tocando. Dizia que estava tudo bem, porque ele era o papai, e eu tinha que fingir que era a mamãe. Era uma brincadeira, dizia ele, uma brincadeira secreta. Ele me dizia que eu tinha que fazer coisas... tocar nele. Tinha que...

- Tudo bem. — Clarke  a consolava, enquanto Catherine voltava a tremer violentamente. — Não precisa me dizer. Conte-me o que conseguir.

- A gente tinha que obedecer a ele. Éramos obrigados. Ele era uma força em nossa casa, não é, Richard?

- Sim. — Richard pegou a mão da irmã, envolveu-a com a dele e apertou com força. - Eu sei.

- Eu não podia contar a você porque tinha vergonha, e tinha medo, e mamãe sempre olhava para o outro lado; então, eu achei que tinha que fazer aquilo. — Ela engoliu em seco. — No dia do meu aniversário de doze anos, tivemos uma festa em casa. Um monte de amigos, um bolo imenso e os póneis. Você se lembra dos póneis, Richard?

- Lembro. — Lágrimas começaram a descer silenciosamente pelo seu rosto. — Eu me lembro.

- E então, naquela noite, na noite do meu aniversário, ele veio. Disse que eu já estava grande o bastante. Disse que tinha um presente para mim, um presente muito especial, porque eu já era uma mocinha. E me estuprou. — Ela colocou o rosto entre as mãos e ficou se balançando para a frente e para trás. — Ele disse que era um presente. Oh, meu Deus! E eu implorava para que ele parasse, porque estava me machucando. E também porque eu já era grande o suficiente para saber que aquilo era errado, que era demoníaco. Que eu era diabólica. Mas ele não parou. E continuou voltando, depois desse dia. Durante anos, até eu conseguir fugir. Fui para a faculdade, bem longe, onde ele não poderia me tocar. E disse a mim mesma que nada daquilo acontecera. Jamais, jamais acontecera.

In DeathOnde histórias criam vida. Descubra agora