Angelini

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Às vezes, pensava Clarke , o trabalho duro da rotina policial compensava. Era como uma máquina caça-níqueis, alimentada habitualmente, sem a pessoa sentir, monotonamente, até que, quando a sorte grande caía em seu colo, provocava quase um choque.

Foi exatamente assim que Clarke se sentiu quando David Angelini caiu em seu colo.

Ela tinha várias dúvidas a respeito de pequenos detalhes do caso Kirski. A questão do tempo era uma delas.

Costia deixou de tirar sua hora de folga, Louise Kirski foi para a rua no lugar dela, passou pelo saguão aproximadamente às vinte e três horas e quatro minutos. Saiu na chuva e deu de cara com uma faca. Minutos depois, correndo para não se atrasar, Morse chegou no estacionamento da emissora, quase tropeçou no corpo, vomitou e correu para dentro, para dar o alarme de um assassinato.

Tudo isto ela matutava, rápido, depressa, em poucos minutos.

Na realidade, ela analisara os discos com a gravação da guarita de segurança do Canal 75. Não era possível saber se o assassino havia entrado com o carro por ali, estacionado o veículo no pátio, seguido até a porta para esperar Costia, cortado o pescoço de Louise por engano e depois fugido de carro novamente.

O criminoso poderia simplesmente ter cortado caminho a pé, a partir do terreno que dava para a Terceira Avenida, exatamente do jeito que Louise pretendia fazer. A guarita de segurança precisava se certificar de que sempre haveria vagas disponíveis para os funcionários da emissora e que os convidados não seriam prejudicados por algum motorista frustrado que, sem encontrar vaga, resolvesse usar o estacionamento particular para tirar o seu carro ou a sua minivan aérea das ruas.

Clarke reviu cada um dos discos, por uma questão de rotina, e porque, admitiu para si mesma, tinha esperança de que a história de Morse não fosse colar. Ele teria reconhecido a capa de chuva de Costia e saberia do seu hábito de tirar alguns minutos para ficar sozinha, antes da edição da meia-noite.

Não havia nada que ela pudesse curtir mais, em um nível básico e até primariamente pessoal, do que pregar a bunda magra dele na parede.
E foi neste instante que ela notou a imagem do elegante carro esporte italiano de dois lugares que deslizava e entrava, brilhando, pelo portão do pátio da emissora. Ela já vira aquele carro antes, estacionado do lado de fora da casa do comandante, no dia do funeral de Cicely Towers.

- Pare! - ordenou, e a imagem na tela ficou congelada. - Amplie do setor vinte e três até o trinta e coloque em tela cheia. - A máquina clicou, depois fez um som metálico abafado, provocando uma oscilação na imagem. Com um rugido impaciente, Clarke deu uma pancada na tela com a base da mão, tentando ajeitar a imagem. - Essa droga de cortes orçamentários! - murmurou ela, e então um sorriso se abriu, lento e saboroso. - Ora, ora, senhor Angelini. Respirou fundo ao ver o rosto de David encher a tela. Ele parecia impaciente, pensou.
Distraído. Nervoso.

- O que é que você estava fazendo aí - murmurou ela, desviando o olhar para o relógio digital do canto inferior esquerdo da tela - , às vinte e três horas, dois minutos e cinco segundos?

Recostou-se na cadeira, e começou a mexer na gaveta com uma das mãos enquanto analisava a tela. De modo distraído, deu uma mordida em uma barra de chocolate que ia servir de café da manhã, para ela. Clarke ainda não tinha ido para casa.

- Copie esta imagem - ordenou. - Depois, volte para a cena original e a copie também. - Esperou pacientemente enquanto a máquina zumbia, atendendo à ordem. - Agora, continue a passar o disco, na velocidade normal.

Mordiscando o café da manhã improvisado, ela olhou o caríssimo carro esporte passar diante da câmera. A imagem piscou. O Canal 75 bem que poderia pagar por uma câmera de segurança de última geração, que acompanhava os objetos através de um sensor de movimento. Onze minutos haviam se passado pelo relógio no momento em que o carro de Morse se aproximou.

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