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O clipe n tem a ver, mas a música é pra acompanhar a vibe do capítulo.

Abro os olhos quando o celular desperta, levanto meio sonâmbulo e vou pra cozinha, preciso de um café ou vou dormir debaixo do chuveiro. Quando passo pela sala a mãe está deitada no tapete com as pernas sobre o sofá, ao lado parece ter alguém.

Um homem sentado, as costas no sofá, abraçado aos joelhos e olhando para ela, passo reto porque sei que ainda estou sonhando, encho a xícara de café e tomo um gole que desce queimado minha garganta, nosso café é amargo. 

Todo mundo tem o paladar do azedo e do amargo por aqui, não faz diferença quem faça, é sempre suficiente pra matar qualquer ressaca. Recosto na mesa da cozinha. Peraí, não tô dormindo, tinha alguém ao lado da mãe.

Da porta da cozinha consigo vislumbrar a figura, parece apagada, não é de verdade e começo a duvidar se estou acordado, o homem leva a mão ao colo da mãe e acaricia a parte dos seios que sobra na camisola. Entro na sala, me aproximo e a figura permanece.

Tomo outros goles do café me perguntando que sonho doido com cara de realidade é esse, dou as costas e vou para o quarto, ela nem notou minha presença, não sei se tá meditando ou dormindo, não duvido da sua habilidade de dormir em qualquer posição. Quando saio do banho ouço meus pais treinando no estúdio, bato na porta da Vi que sai pronta com a mochila na mão.

- Mais dois dias e férias! - diz e me dá um beijo na bochecha. Sorrio satisfeito, mais dois dias e nonna e Olívia chegarão.

Passamos no estúdio para nos despedirmos, Vi não começa o dia seu o beijo do pai. Preciso conversar com a mãe em algum momento, primeiro ouço alguém falando comigo na Palato e agora vejo alguém do lado dela, precisamos marcar um neurologista com urgência, ou maneirar a noz-moscada no bechamel do pai, tá ligado?

- Achei que tinha abandonado a escola – a magrela machista me diz.

- E eu tinha esquecido de você – respondo sem me dignar a olhá-la. Entre ser a primeira trepa da Pallaoro e fugir da tentativa de homicídio da mamãe me esqueci da garota.

Na hora do almoço procuro os cabelos de Vi, mas não encontro, a nerd do caralho deve estar na biblioteca, sento no meio do pátio na esperança de que me veja e se junte a mim, detesto comer sozinho.

Algumas garotas do terceiro ano sorriem ao passar e retribuo na mesma moeda, acho que foram minhas colegas ano passado, mas reprovei por falta e não me lembro da cara de ninguém com certeza.

Mastigo a salada de atum lembrando do ano anterior. Passei um semestre no meu quarto em vídeo chamadas com a ex, Cacá, e amigos, não acredito que vai fazer dois anos que nos mudamos para essa cidade, ainda me sinto perdido por aqui.

Nada contra o Plano Piloto, o lugar é maravilhoso e o Lúcio Costa certamente merece um busto ou uma breja, mas a vibe do lugar não é a minha, a cidade é meio higienizada, parece que não tem vida.

Mooca, Santa Efigênia, Brooklin, Vila Madalena, os bairros da minha infância tem história, cheiro e cara, cada um é uma experiência e cada muro, cada curva tem registro de vida, presença dos  moradores... Brasília não, é tudo parecido, igual, as pessoas são substituídas, mas o espaço permanece intocado.

- O que você tá fazendo aqui? - pergunto percebendo a sem noção na minha frente.

- Tô esperando você ser mal educado comigo pra gente ir adiante. – não faço a menor ideia do que essa porra tá falando, mas posso ser mal educado, com prazer.

- Seguir adiante com o quê, doida?

- Eu sei que discutir comigo em sala e depois me ignorar é só um jeito dos homens quando gostam da gente... – ela continua falando e falando.

FredOnde histórias criam vida. Descubra agora