35 - Útero: função homicídio - parte II

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- Nada.

- Se for vibrador – se recosta na porta – não precisa pegar o nosso, ela te deu um naquela caixinha de aniversário – sorri sabendo muito bem que não tô aqui atrás disso e nunca abri a bendita caixa.

- Seu senso de humor é terrível! - reclamo cruzando os braços - Cadê a erva?

- Você quer misturar tequila, vodca e maconha? - pergunta imitando meu gesto. Porque quando seu pai te pega fazendo coisa errada ele sempre parece maior e você vira um anão apavorado?

- Não! É para as meninas, elas apagam e acordam quando os respectivos úteros já tiverem desligado a função homícidio - ele pisca algumas vezes, depois sorri, meu velho tem o sorriso mais bonito do mundo e não sei porque esconde tanto fazendo constante cara de sério.

- As meninas já estão medicadas, Frederico, vão pegar no sono logo - ele me empurra para o quarto e confere o celular.

Nos recostamos na porta e dito e feito, elas estão abraçadas na minha cama, têm cara de dor, mas parecem mais calmas, pego as duas garrafas da escrivaninha e o velho os copinhos de shot. Horas depois eu tô pra lá de bebum, mas Thomas parece, no máximo, relaxado. Tá louco meu, o bicho consegue beber o próprio peso sem dar conhecimento. Porque caralho o velho me é tão superior a mim? Tipo, ele não tem defeito.

- Por que você olha a mamãe como se ela fosse especial?

- Porque ela é especial! - afirma como se eu tivesse dito a coisa mais estúpida do mundo.

- Eu sei... quero dizer... - soluço – mas tipo, você olha pra ela como se ela fosse preciosa, às vezes parece que vai sair coraçãozinho da sua cabeça – ele ri – na real meu, tipo, tem dias que ela entra num ambiente, seus olhos dão um zoom na lingerie que tá sempre aparecendo, e tipo, seu coração parece que pula como o do pernalonga! - ele gargalha e coloca os pés no sofá, ao lado da minha cabeça – sério, porra!

- Eu amo minha mulher! - afirma e desce mais uma dose. Eu rio, sei lá do quê, e bebo também – eu posso ser sincero, mas você não fica sem graça de ouvir certas coisas?

- Tipo, eu não quero saber detalhes, mas a mamãe e a tia Laura são diferentes, eu acho que ser sexy é parte da personalidade delas. Além do mais se nunca fui preso por bater em brother meu posso – soluço – ouvir você.

- A Laura era ainda mais bonita quando jovem.

- Se você tiver alguma história – soluço de novo - sacana da tia manda que quero ouvir - ele sacode a cabeça negativamente – mas você não tem história? - o copo de shot desliza da minha mão, mas o pai apara - Aquela cara de dondoca não me engana, tenho certeza que ela é mais sacana do que parece! - Thomas sorri e desce outra dose.

- Você é como sua mãe, não tem vergonha de nada.

- E você de tudo! - sorri concordando.

- Posso te falar uma coisa? - assinto positivamente – mas não pode contar.

- Fechado – e estendo a mão, ele aperta.

- Gosto que você seja parecido com a Ati – tomo um gole no gargalo - é como se eu pudesse ver a mim mesmo se divertindo na vida, fazendo e falando tudo que eu nunca tive coragem.

- Por causa dos meus avós chatos? - ele franze a testa com o comentário – des... - soluço, mas acho que ele entendeu.

- Também, e minha personalidade é diferente, mas é bom assistir você crescer - me estiro no sofá achando graça - Quando você entrou na puberdade – ele olha para os lados – não sabia como responder certas perguntas suas e nem como te ensinar...  – gargalho e ele joga uma almofada na minha cara - meus pais nunca conversaram ou me ensinaram algumas coisas - explica quase se escondendo atrás da garrafa que tem nas mãos – me proibiam de... - titubeia e olha para a virilha. Espera, ele tá falando de punheta?

- Pai - tento me sentar - eles te proibiam de bater...

- Me tocar – interrompe apressado.

- Se tocar? Quem fala assim gente de romance do século XIX! - escorrego no sofá gargalhando e meu velho abafa meu riso com uma almofada.

- Pára senão não te conto o resto! - diz e engulo o riso promentendo me comportar - anyway (1)... Uma vez cheguei em casa e fui direto para o banheiro, quando abri a porta você tava debaixo do chuveiro se... - indica meu pênis com os olhos.

- Pai, fala masturbar como uma pessoa normal!


- Você nem me notou, mas eu saí correndo – me ignora - esperei pela Ati na portaria porque não queria ficar sozinho com você – é oficial, vou mijar de rir! bebe mais um gole – quando contei ela disse que iria "trocar uma ideia com você" – diz fazendo as aspas com os dedos - Ela te explicou porque seu, você... - titubeia de novo – ela te explicou porque você...

- Meu pau ficou duro? - pergunto me acabando de rir.

- Frederico! - ralha comigo se contendo, mas sei que quer sorrir - Enfim, ela te levou ao banheiro, mostrou os lubrificantes, disse para o quê serviam e como usar, e perguntou se você sentia essas coisas pensando em alguém...

- Acho que era pra saber minha inclinação sexual, porque também perguntou para a Aretha.

- Eu sei, tava junto e quase enfartei, nos dois casos! - diz e me estende a garrafa enquanto enxugo as lágrimas de riso - você fez perguntas que me deixaram roxo de vergonha.

- Tipo o quê?

- Seu corpo vivia uma experiência natural... - ele se enrola – você disse que isso tava acontecendo de vez em quando e era bom - reviro os olhos com a timidez do meu pai - A Ati respondeu às suas perguntas com paciência e carinho, fiquei orgulhoso de ter uma mulher como ela - diz sorrindo – outra pessoa poderia ter te maltratado, ter dito que era feio ou errado – Thomas mexe nos cabelos - te feito sentir vergonha como meus pais fizeram comigo, mas minha Ati – diz orgulhoso – te colocou na pia para olhar nos seus olhos, explicou que era natural, que mulheres ficam... - pigarreia, mas vai firme – lubrificadas e homens têm ereção, disse que ninguém poderia te tocar sem você permitir ou pedir e o mesmo valia para você em relação aos outros.

- É bem a cara dela.

- Te disse para fechar o chuveiro, lavar as mãos antes e depois de se... - enfia a mão nos cabelos e sorrimos – quando você já não tinha perguntas te deu um beijo na testa e pronto, naquele dia nós vimos desenho animado no jantar, vocês pegaram no sono espalhados no sofá e os levamos para o mezanino. Antes de apagar a luz te olhei, eu tava feliz porque meus filhos cresciam com amor incondicional que nunca recebi – bebe um gole como se degustasse as palavras – sou muito grato porque você é como ela.

A garrafa de vodca acaba e fico pensando no que dizer, acho que já tô muito bêbado pra falar bonito, sento da ponta do sofá e abraço meu velho que se estica na cadeira para me alcançar. Afaga meus cabelos e quando finda o abraço me estico no sofá, Thomas joga sobre mim a colcha decorativa que fica sempre no encosto, apaga a luz da sala e me dá boa noite levando a garrafa para a cozinha.

Não pego no sono imediatamente, não consigo lembrar com exatidão do que ele contou, mas alguns pedaços me vem à memória marcados pelos olhos claros, abraço a almofada que tem nosso perfume, um pouco do cheiro de mel da Aretha, canela da mamãe, o perfume amadeirado do papai e cheirinho de fruta dos hidratantes da Vi. Queria ter um pouco de cada um deles, mas não tenho o instinto da Ati, a certeza da Vi, a segurança da Aretha ou força do Thomas, não sei quem sou, e acho que sequer tenho cheiro. Meus olhos ficam mais pesados do que posso segurar e adormeço ouvindo o jazz que vem do escritório.

1407 palavras 

Tradução:

(1) Continuando, de qualquer modo...

FredOnde histórias criam vida. Descubra agora