60 - Medo ou instinto - parte II

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Por favor ouçam a música no final da leitura.

Pacientemente ele repete a pergunta.

Porque eu preciso dizer alguma coisa para a Olívia que tem de ser dita agora, não sei o que é, mas acho que quero dizer o que eu penso que deveria dizer, porque ela quer ouvir e eu gosto dela! Depois da sentença que somente Chomsky poderia entender eu abaixo a cabeça e encaro meu tio, não posso dizer isso em voz alta porque o mano me interna, tá ligado?!

- Que eu gosto e quero a ela! - é tudo que digo.

Desconfio que minha eloquência tenha batido o ponto e saído para pegar um sol em Santos, mas qual o ponto em esconder? O corintiano bonito tá para torna-se meu sogro.

Não sei o que pretende fazer já que agora ele é o pai da garota que eu gosto, mas de repente ele sorri, o elevador continua parado ele me encara longamente, por fim ajusta a gola da minha camisa e dá um beijo na minha bochecha.

- Você tem mais coragem do que eu – e me puxa para o elevador - e é tudo o que importa – afirma e me lembro de tê-lo ouvido confessar que amar a Ati, justificou que na época estava confuso, não sabia o que dizer.

Suspiro e olho para baixo, todo mundo tem uma história complicada, todavia a coragem a qual ele se refere não existe, pois meu corpo está aqui enquanto minha cabeça uma bagunça e alguma coisa em mim quer sair correndo.

- Você tá confiante?

- Que eu gosto dela? Sim. - respondo sem pestanejar por ser a verdade - Do que eu vou dizer? Nem um pouco!

- Se você gosta dela é o que basta para mim!

Olho para o chão e culpo a Ati por essa agonia. Acabo de receber a bênção do José, era pra ser um momento feliz e de alívio, mas a mamãe com esse maldito papo de instinto me deixou inquieto. Ela potencializou o que tô sentindo e que claramente é medo.

É só medo, certo? Com um sorriso bonito no rosto meu ex-tio, que ainda quer minha mãe e merece um socão na cara, aperta o botão do sétimo andar.

Quando saímos do elevador notamos a música relativamente alta para a madrugada, Olívia está acordada, vai ver é dessas coisas de coração, assim como Aretha e Ati sentiram minha inquietação Olívia também sentiu. Quando José abre a porta meu coração pára e de repente a agonia faz sentido.

Parado na porta ainda aberta permaneço sem ação. Como se precisasse me certificar do que acontece meus olhos continuam abertos, se recusam a fechar, mas de resto meu corpo está morto, o ar sumiu e todos se movem em câmera lenta.

Vejo José jogar no chão os muffins que escolhi para a dona dos meus pensamentos, vejo sua boca abrir e fechar vociferando coisas incompreensíveis, sei que grita somente porque as veias do pescoço saltam, todavia não ouço uma palavra. Olívia se põe de pé e limpa a boca com as costas das mãos, as pessoas deitadas no sofá se vestem pela metade e uma delas passa por mim, mas o cheiro de álcool barato não é suficiente para me tirar da condição de estátua.

A garota dos cachos que adoro dá um passo na minha direção, mas é barrada pelo tapa que recebe, ela esconde a face do pai com medo de um segundo, mas ele está ocupado acertando o punho fechado contra o cara que ainda tem genitália amostra.

Nunca vi José tão iracundo, os socos não param e o cara tenta proteger-se e vestir o jeans, quando meu tio pára o sujeito consegue subir o zíper e vem em direção à porta, à mim, ele pisoteia a caixa de muffins e sai correndo sem olhar para a garota no meio da sala.

Descabelada ela permanece imóvel, não se dá ao trabalho de esconder o sexo peludo e planta em mim os olhos. Seu pai tem o peito agitado, os punhos ainda fechados e somente pára de gritar quando nota que permaneço imóvel, olha para mim de um jeito que nunca vi. Os dois Pallaoros fitam-me, Olívia deixa algumas lágrimas escorrerem e José olha para o chão, vergonha, por razões diferentes, mas ambos tornam a me olhar com vergonha.

Quando minhas pernas se movem sei que tem outra parte de mim no controle, em pensamento contínuo parado na porta, nossos cafés ainda estão na bandeja em minhas mãos e observo a cena dantesca diante de mim. Subitamente meu corpo pára, como barrado pelo odor nojento que chega até mim, coloco a bandeja na mesa de centro na qual duas camisinhas usadas foram descartadas.

José me olha, não sei porque me detenho no verde das suas órbitas quando é a garota que adoro quem me deve alguma coisa, mas quando os segundos passam entendo, tem a vista em mim, mas enxerga minha mãe, tenho pena.

Quero dizer que a Ati não vai odiá-lo por causa da cena de Hellraiser que acabo de viver, ele não tem culpa, mas não tenho tempo de nada porque meus lábios se movem, não reconheço minha voz, o tom é grave, mais profundo do que o normal, não grito, esbravejo ou choro, minha voz é firme como nunca ouvi. Ela não responde nada em retorno, mas eu sequer sei o que disse.

- Olívia – minha voz ecoa firme e mesmo com a música ela pode me ouvir. Sem saber de onde vem tanta tranquilidade finalmente consigo entender o que digo – você está sob o efeito de alguma coisa?

José esconde o rosto nas mãos, depois abaixa-se para sentar quando nota as camisinhas descartadas, ele diz qualquer coisa, mas meu foco está em Olívia, os lábios ainda inchados do que fazia quando entramos. Repito a pergunta, mas a garota não responde, aperta os lábios com força lágrimas correm sem contenção.

- Eu só preciso saber se você consentiu e está consciente.

Ela não responde com palavras, abaixa a cabeça e balança positivamente. Dou às costas e saio porta afora, passos rápidos. Como se fosse um passageiro no meu corpo me deixo guiar, alguns lances de escada e estou na minha antiga porta, tiro a chave do bolso e entro. Minhas pernas sobem as escadas do mezanino e deito no chão de madeira, no exato lugar onde ficava minha cama.

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FredOnde histórias criam vida. Descubra agora