74 - Instinto

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Não dormi à noite, nem um minuto, Aretha estava ansiosa com um trabalho da faculdade, Vi abraçada aos livros e o Brasil celebrando o Levante, mas o evento principal é amanhã a partir das 10 horas. 

Meu coração está inquieto, meus punhos se fecham com o menor dos barulhos e a sensação de que algo ruim está por vir me deixa sem sossego e não estou sozinho, Ati está no tatame, esmurra e chuta o saco de pancadas como se o objeto inanimado tivesse lhe xingado a mãe, para não disputar sua fúria estou na esteira, não sei bem o que nos mantêm acordado, mas no espelho os olhos de mel têm a mesma expressão dos meus.

O dia nasce e Thomas vai para o trabalho, prepara-se para a aposentadoria, aparentemente passar o tal bastão da contabilidade é mais complicado do que eu poderia imaginar, pelo menos é o que diz. O pai quase não fala ao telefone e tudo que tem de resolver faz pessoalmente, tem sido assim mesmo antes da morte da tia Laura, mas somente agora me incomodo, se estamos em perigo ele também está, mesmo que seja minha mãe o alvo.

O corpo magro e cheio de músculo expõe as veias nos socos e chutes, ela é rápida pra caralho, vai demorar para que o tempo consiga abater minha mãe, cinquenta anos e permanece linda, com força física e juventude que fazem inveja até a mim, nunca vou entender como uma mulher tão magra pode pesar tanto ou ter um soco tão violento.

Em algumas horas o Brasil celebra um momento que minha mãe ajudou a construir, o país comemora o inicio da nossa vez, quando o povo finalmente passou a ter voz, dai em diante a reforma agrária aconteceu, a igualdade salarial se tornou realidade, o sistema penitenciário e o SUS finalmente foram reformados, assim como a polícia. 

Foi devagar, ano após ano, mas tudo nasceu naquele dia, com uma jovem de olhos de água barrenta que estava disposta a morrer lutando por respeito e igualdade.

Foda-se o machismo, foda-se todo tipo de conduta que minimiza e despreza alguém, foda-se o capitalismo que tenta calar vozes e transformar tudo e todos em produtos, foda-se e a classe média que precisava ver outros com fome para se sentir bem.

Busco uma garrafa d'água e divido no gargalo com a mamãe, noto que algumas lágrimas se misturam ao suor no seu rosto, mas me calo, deve ser um dia emotivo para ela, assim como para outros que fizeram parte da mudança.

- Seu celular não pára de tocar – eu aviso e ela nota – mas se for para participar de algum evento celebratório eu queria que você não fosse, tá uma vibe estranha no ar.

- Eu também tô sentindo – ela tira o suor da testa com a mão enrolada em bandagens - mas é do hospital, dois médicos faltaram na emergência, tenho de ajudar – ela avisa depois de ler a mensagem.

A acompanho até a suíte e relutante a deixo sozinha para tomar banho, não sei o porque, mas algo me diz que eu não deveria sair do lado dela.

- O que foi? -Vi pergunta aparecendo na porta dos meus pais, a situação dos cabelos ruivos me dão a entender que estava guerreando com gatos ao invés de estudando.

- Nada, só não quero deixar a mãe sozinha, tô sentindo uma coisa estranha.

- Vocês têm uma mania de dar razão às "sensações". Nós estamos seguros, o pai não sairia de perto de nós se alguma coisa pudesse acontecer. - ela vira-se a caminho da cozinha.

- Vi – chamo – Você quer me contar alguma coisa?

- Não – responde sem pestanejar.

- Você sabe qual o segredo do Thomas?

- Fred, eu não sei nada.

- Vi, seja o que for, se a mamãe diz que é importante eu tenho de saber.

- Frederico eu não sei de nenhum segredo, pára de me encher.

FredOnde histórias criam vida. Descubra agora